Valor Econômico, v. 20, n. 4967, 23/03/2020. Brasil

Tarifa social poderá bancar até 100% das contas de luz na crise

Daniel Rittner 


A tarifa social de energia elétrica poderá ter o valor da subvenção ampliado para 100% das contas de luz de famílias de baixa renda, com consumo mensal de até 220 kilowatts-hora (kWh), durante três meses. O benefício, discutido entre autoridades do setor e representantes do Congresso

Nacional, seria uma forma de aliviar temporariamente o peso dos serviços públicos no bolso dos mais pobres em um momento de pico do novo coronavírus.

Uma minuta de medida provisória já foi discutida pelo senador Marcos Rogério (DEM-RO), presidente da Comissão de Infraestrutura do Senado, e o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, que fazia parte da comitiva presidencial aos Estados Unidos e foi infectado pelo vírus. Ele tem passado quarentena em sua casa no Rio de Janeiro e participado de reuniões por videoconferência.

Têm direito à tarifa social famílias inscritas no Cadastro Único do Ministério da Cidadania ou pessoas que recebem o Benefício de Prestação Continuada (BPC) do Ministério da Cidadania. Hoje o desconto sobre a tarifa “cheia” de cada distribuidora de energia varia conforme o nível de consumo da residência: 65% (consumo de até 30 kWh por mês), 40% (31-100 kWh) e 10% (101-220 kWh).

Pelo texto da minuta que está sendo discutida, o desconto subiria a 100% para todas essas faixas durante três meses. O impacto é estimado em cerca de R$ 1 bilhão no período. Não haveria impacto sobre as finanças públicas.

As subvenções da tarifa social são financiadas pela Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), o “superfundo” que banca subsídios do setor elétrico, cujo valor é rateado por todos os consumidores do sistema - com peso maior nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste. O orçamento da CDE aprovado para 2020 é de R$ 21,9 bilhões e o valor já destinado à tarifa social chega a R$ 2,66 bilhões.

Para bancar o acréscimo no auge da crise, seriam redirecionados recursos das próprias distribuidoras hoje usados em projetos de pesquisa e desenvolvimento (P&D) no setor e em ações de eficiência energética, de modo a evitar um aumento da CDE.

De acordo com a Lei 9.991, de 2000, as concessionárias do setor elétrico - de geração, transmissão e distribuição - precisam destinar até 1% de suas receitas operacionais líquidos em iniciativas de P&D e eficiência. A ideia é separar parte desse montante para arcar com o aumento temporário da tarifa social. Pelo texto, a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE) criaria uma conta específica para gerir os recursos durante esse período.

“No momento em que os brasileiros precisam ficar em isolamento domiciliar, o consumo de energia aumenta, ao mesmo tempo em que a renda cai. Precisamos criar mecanismos para aliviar a conta do consumidor mais carente”, afirma Marcos Rogério.

“Todas as empresas do setor elétrico são obrigadas a realizar investimentos em P&D. Portanto, o dinheiro do fundo poderia ser utilizado para custear as tarifas de quem consome até 220 kWh [por mês]”, acrescenta o senador.

A edição de uma MP com essa finalidade tem o apoio da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), mas ela não define políticas públicas. O Ministério de Minas e Energia ainda não tem uma definição sobre a medida.

O presidente da Abradee (associação das distribuidoras), Marcos Aurélio Madureira, diz que, na semana passada, as empresas se dedicaram prioritariamente à reorganização de suas atividades - call centers, fechamento das agências de atendimento presencial, equipes de manutenção das redes em campo. A partir desta semana, segundo ele, as distribuidoras vão discutir mais fortemente medidas regulatórias com o ministério e a Aneel, incluindo uma eventual MP. “Estamos buscando interagir [com as autoridades] para ver a forma mais adequada de resolver isso”, afirma.