Valor Econômico, v. 20, n. 4965, 21/03/2020. Brasil, p. A5
Corte de terceirizados no setor público pode gerar uma onda de
judicialização
Murillo Camarotto
A administração pública poderá enfrentar uma grande onda de judicialização
relacionada aos contratos firmados com empresas fornecedoras de mão de obra
terceirizada. Com o avanço da pandemia do coronavírus, muitas dessas empresas
estão recebendo ofícios de órgãos públicos solicitando uma redução
drástica na demanda de trabalhadores, mas sem os devidos esclarecimentos a
respeito dos custos relacionados a esses cortes.
Diante
da queda brusca na necessidade de recepcionistas, seguranças, secretárias e
faxineiros, por exemplo, os órgãos e as entidades da administração pública
federal estão sendo orientados pelo Ministério da Economia a reduzir ou mesmo
suspender os serviços prestados pelas empresas terceirizadas “até que a
situação se regularize”.
Ocorre
que ainda não houve uma sinalização clara de como as empresas devem lidar com
os trabalhadores, ou seja, se é melhor demiti-los ou mantê-los empregados.
Independentemente da estratégia a ser adotada, os custos deveriam ser
totalmente ou parcialmente assumidos pelos órgãos públicos, esclarece o
advogado Murillo Jacoby, sócio do escritório Jacoby Fernandes & Reolon
Advogados Associados.
Ele
lembra que a Lei de Licitações autoriza redução unilateral de até 25% do valor
dos contratos, mas explica que, no caso específico da terceirização de mão de
obra, os custos de eventuais substituições ficam a cargo do contratante. “A
administração pública não tem o direito de mandar as pessoas ficarem em
casa sem dizer como a conta vai ser paga.”
Na
sua avaliação, como o cenário atual é de uma situação excepcional, a melhor
solução seria negociar caso a caso com as empresas, especialmente as pequenas e
médias, que ficarão mais vulneráveis. O advogado alerta que demitir os
trabalhadores não é uma alternativa inteligente. “Vai haver custos
elevados para o desligamento e depois vai ser difícil recontratar, porque a
8.666 [Lei de Licitações] veda”.
Um
caminho possível seria negociar flexibilizações na forma de execução de
contrato, como redução de carga horária e de salários, mas sem alterar o valor
final.
Na
semana passada, a Advocacia-Geral da União (AGU) publicou comunicado interno
direcionado aos gestores de contratos administrativos do órgão. O texto
classifica como “indiscutível” a premissa de que a situação atual para o
cumprimento desses contratos está fora da normalidade.
Entre
as recomendações, consta uma para que seja estabelecido um canal direto de
comunicação com as empresas fornecedoras e que elas priorizem para envio ao
trabalho pessoas fora do grupo de risco mais elevado da covid-19. No caso de
redução ou suspensão dos serviços terceirizado, a orientação é que sejam
mantidos os salários do terceirizado, descontando-se somente os valores
referentes a vale-transporte e vale-refeição dos dias não trabalhados.
Preocupado
com os desdobramentos da crise sobre esses contratos, o ministro da AGU, André
Mendonça, determinou pessoalmente aos integrantes do departamento trabalhista
do órgão que faça os apontamentos necessários para auxílio jurídico ao
Ministério da Economia.