O Globo, n. 32589, 28/10/2022. Mundo, p. 22

ONU: metas climáticas só reduzem 1% de emissões

Ana Rosa Alves


O risco de um cataclisma não tem sido suficiente para convencer os países a adotar políticas climáticas mais ambiciosas, mostra um relatório divulgado ontem pela ONU. Os compromissos assumidos no último ano reduzem em menos de 1% as emissões de gases-estufa projetadas para 2030, e não há um “caminho plausível” para limitar o aumento da temperatura global a 1,5°C até o fim do século —se as medidas em vigor não forem reforçadas, o aquecimento pode chegar a 2,8°C.

Pária ambiental

Pária no cenário internacional graças às políticas ambientais catastróficas do presidente Jair Bolsonaro, o Brasil está entre os 26 países com promessas ambientais renovadas após a COP26, a conferência climática da ONU no ano passado em Glasgow, Escócia. Se a nova meta é melhor que a de 2020, ainda assim é menos ambiciosa que a ratificada sob o Acordo de Paris de 2015.

O retrocesso faz o Brasil aparecer no vermelho pela segunda vez consecutiva no Relatório Sobre Lacuna de Emissões, publicado anualmente pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). Mas o país não é o vilão único após um “ano perdido”: o progresso global desde a COP26 foi “extremamente inadequado”, e a janela está se fechando para a ação climática, não deixando outra opção além de uma transformação urgente e sistêmica na sociedade. A transição verde, diz o relatório, vai demandar investimentos anuais de US$ 4 trilhões (R$ 21,3 trilhões) a US$ 6 trilhões (R$ 32,02 trilhões).

Todos os 193 Estados signatários do Acordo de Paris assumiram há sete anos as chamadas Contribuições Nacionalmente Determinadas (NDCs, na sigla em inglês), metas para cortar suas emissões de dióxido de carbono (CO2), o principal causador do efeito estufa. Os objetivos devem ser incrementados quinquenalmente — a primeira revisão foi no ano passado — mas ao fim da conferência em Glasgow, os países concordaram em “revisitar e fortalecer” suas ambições para 2030 até a COP27, que começa no dia 6 em Sharm el Sheikh, no Egito.

As NDCs apresentadas em 2021 diminuem em 0,5 bilhão de toneladas — ou menos de 1% — as emissões projetadas para 2030 a partir das promessas feitas até a COP26. Para que o aquecimento global em 2100 fique limitado a 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais, patamar essencial para evitar que o mundo fique mais propenso a eventos climáticos catastróficos, o corte precisa ser de 45% até 2030.

— Relativamente ao ano passado, a boca do jacaré estreitou apenas 1%. O que o relatório avalia é o descasamento entre o que os países estão dispostos a entregar para reduzir suas emissões e o que é necessário se nós queremos levar a sério as metas do Acordo de Paris — disse ao GLOBO Joana Portugal Pereira, professora de Planejamento Energético da Coppe/UFRJ e uma das autoras do relatório.

As políticas atualmente em vigor deixam a temperatura global rumo a um aumento de 2,8°C até 2100, um reflexo da lacuna entre os compromissos e os esforços para cumpri-los. A variação cai para 2,6°C se as novas NDCs forem devidamente implementadas, e para 2,4°C se as metas condicionais — medidas cuja realização é associada a fatores externos como transferência de tecnologia ou financiamento, por exemplo — forem respeitadas.

— Caminhamos em direção a uma catástrofe global. A lacuna de emissões é consequência de uma lacuna de compromissos. Uma lacuna de promessas. Uma lacuna de ações — disse o secretário-geral da ONU, António Guterres. — Precisamos de ação climática em todas as frentes. E precisamos dela agora.

Sem ‘caminhos plausíveis’

O mundo pode conseguir chegar a 1,8°C se as promessas feitas por 19 países para neutralizar as emissões até 2050 forem levadas em conta juntamente com as NDCs, mas na maioria dos casos não foram apresentados “caminhos plausíveis” para implementá-las.

— É completamente desolador. Estamos perdendo a guerra pela manutenção da meta do Acordo de Paris, é uma alteração pífia com relação ao que tínhamos no ano passado — disse Stela Herschmann, especialista em políticas climáticas do Observatório do Clima. — Se todas as promessas forem cumpridas à risca, em 2030 teremos emissões próximas a 2019. É um atestado do nosso fracasso.