Valor Econômico, v. 20, n. 4965, 21/03/2020. Brasil, p. A6

Cenário de Mandetta para o coronavírus no Brasil estenderá a recessão até 2021

Ribamar Oliveira


Se o cenário traçado pelo ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, para a evolução do novo coronavírus no Brasil se confirmar, a recessão econômica deverá se estender até 2021, de acordo com avaliação de técnicos do governo ouvidos pelo Valor. Mandetta prevê que o pico da contaminação pelo coronavírus ocorrerá em junho, com estabilização em julho, início de queda dos casos em agosto e queda profunda das ocorrências só em setembro.

O cenário mais otimista da área econômica prevê uma retomada da economia no quarto trimestre deste ano. “Se tomarmos as medidas corretas e se a epidemia acabar em junho, o crescimento volta no segundo semestre”, avaliou uma importante fonte da área econômica. As projeções oficiais, no entanto, dependem de numerosas variáveis que ainda são muito incertas.

O governo vai rever sua projeção para o crescimento da economia deste ano a cada bimestre, por ocasião da divulgação do relatório de receitas e despesas, segundo outra fonte da área econômica. A ideia é sempre ficar em linha com as projeções de mercado, como tem sido feito nos relatórios de avaliação fiscal.

A estimativa de crescimento de 0,02%, divulgada na semana passada pelo governo, foi adotada porque não havia ainda uma projeção média do mercado, o que deverá acontecer, pela primeira vez, nesta segunda-feira, quando o Banco Central publicar em sua página na internet o boletim Focus. Nos bastidores, no entanto, uma recessão econômica neste ano é considerada inevitável.

Em suas avaliações do que poderá acontecer com a economia, os técnicos do governo têm dois referenciais. O primeiro é a greve dos caminhoneiros, que gerou séria crise de abastecimento no país, em maio de 2018. A greve durou cerca de dez dias, mas o então Ministério da Fazenda estimou que ela retirou 1,2 ponto percentual do PIB brasileiro daquele ano. “Tirou metade do crescimento esperado para 2018”, disse uma fonte. A pandemia do coronavírus já está paralisando indústrias e fechando o comércio e não há previsão de quando a situação voltará à normalidade.

O segundo referencial é a tragédia de Brumadinho, no ano passado. O aumento das restrições à produção de minério de ferro em Minas Gerais, depois do rompimento da barragem da Vale em Brumadinho, derrubou a indústria extrativa brasileira no primeiro trimestre de 2019, prejudicando o crescimento da economia no ano passado. Ou seja, o PIB sofreu muito com a retração de apenas um setor industrial. O que se deve esperar com a paralisação de amplos segmentos industriais, questionam os técnicos oficiais. O agravante da situação é a paralisação do comércio. “Quando o setor de serviço para, morreu”, sintetizou uma fonte.

A ideia da área econômica é ir passando à sociedade, a cada bimestre, um quadro da economia e da situação fiscal do país. A arrecadação do mês de março será a primeira a sentir o efeito da forte retração econômica resultante do avanço do novo coronavírus. Embora seja provável uma queda, o governo ainda não sabe a magnitude da redução, pois a arrecadação de tributos federais vai até o fim do mês. Na primeira semana de abril, a Receita Federal terá uma ideia mais clara do estrago na arrecadação e a equipe econômica poderá fazer projeções mais realistas sobre o quadro fiscal. Haverá um estrago significativo também nas receitas de Estados e municípios, o que fortalecerá os apelos de governadores e prefeitos por ajuda federal.

A cada bimestre, o ministro da Economia, Paulo Guedes, terá que ir à Câmara dos Deputados falar sobre as medidas de combate aos efeitos do coronavírus adotadas pelo governo e os resultados obtidos. Foi uma das exigências colocadas pelos deputados para o reconhecimento da situação de calamidade pública proposta pelo presidente Jair Bolsonaro. Antes da ida de Guedes, o governo terá que publicar um relatório detalhado com todas as informações.