Valor Econômico, v. 20, n. 4965, 21/03/2020. Brasil, p. A6

Maia diz que não pretende avançar em propostas para adiar eleições

Lu Aiko
Marcelo Ribeiro
Renan Truffi
Cristiano Zaia


A hipótese do adiamento da eleição municipal deste ano, em função da pandemia do coronavirus, ganhou força ontem.

O ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, sugeriu o adiamento, sem mencionar nova data. Para ele, esse é o momento de o

Congresso Nacional tratar o assunto, para que o combate à crise do coronavírus não seja contaminado pela ação política. Parlamentares como os senadores Elmano Ferrer (Podemos-PI), Major Olímpio (PSL-SP) e o deputado Aécio Neves (PSDB-MG) coletam assinaturas ou já protocolaram propostas de emenda constitucional para jogar o pleito para 2022, alternativa que o faria coincidir com as eleições para presidente, governador, senador, deputado federal e estadual.

O adiamento, contudo, levanta resistências. O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), descartou levar adiante, neste momento, propostas desta natureza e as qualificou de “completamente equivocadas”. O próximo presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o ministro Luís Roberto Barroso, afirmou que “não sofre antes da hora” e não cogita o adiamento, mas ponderou que a decisão final cabe ao Congresso e depende de mudança constitucional.

“Vamos concentrar a pauta da Câmara nos projetos de enfrentamento do vírus, nas áreas de saúde, economia e social”, disse Maia ao Valor. À noite, em áudio enviado a jornalistas, foi mais enfático. “A gente não deve de forma nenhuma entrar nesse debate. A discussão de adiar as eleições é completamente equivocada. Nestes próximos três meses, o nosso foco deve e será - certamente do Poder Executivo, do Parlamento e do Judiciário - o enfrentamento a essa crise, com os três Poderes trabalhando de forma unida”, disse.

Ainda que Maia esteja resistente, técnicos da Câmara avaliam que a posição deve mudar caso o agravamento da crise se estenda por muitos meses. Nos últimos dias, parlamentares começaram a se mobilizar em defesa do adiamento. Para esses deputados, a pandemia pode prejudicar o calendário das campanhas eleitorais, com previsão de começar em 16 de agosto. Por isso, o tema entrou em pauta em uma reunião entre dirigentes partidários na última terça-feira. Durante o encontro, eles discutiriam a necessidade de encontrar uma saída jurídica para o caso de a crise do coronavírus se estender até o início do calendário eleitoral.

Na manhã de ontem, em reunião virtual com prefeitos para tratar do combate ao coronavírus, ao lado do presidente Jair Bolsonaro, o ministro da Saúde afirmou que “a eleição vai ser uma tragédia”: “Vai todo mundo querer fazer ação política”, disse. Mandetta acrescentou que ele próprio é político.

O ministro orientou os prefeitos a pensarem suas ações como se estivessem jogando xadrez, pesando as consequências de cada ato. Em alguns momentos, deu bronca pelo fato de agentes de saúde de cidades onde não há casos registrados estarem utilizando máscaras e outros equipamentos de proteção para visitar residências. “Assim, vai faltar máscara para cirurgia de apendicite”, alertou.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Luís Roberto Barroso, que presidirá o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a partir de maio, disse ontem que a decisão sobre um eventual adiamento das eleições municipais de 2020, prevista para outubro, é do Congresso Nacional. Barroso sinalizou que, como futuro presidente do TSE, não cogita qualquer mudança no calendário eleitoral, mas que, caso o Parlamento decida por esse caminho, a Corte irá trabalhar com “essa nova realidade. ”

“A saúde pública é o bem supremo a ser preservado no país. Tudo o que possa impactá-la deve ser adequadamente avaliado. A Constituição prevê a realização de eleições no primeiro domingo de outubro. A alteração dessa data depende de emenda constitucional. Portanto, não cabe a mim, como futuro presidente do Tribunal Superior Eleitoral, cogitar nada diferente nesse momento”, afirmou em comunicado à imprensa.

“É papel do Congresso Nacional deliberar acerca da necessidade de adiamento, inclusive decidindo sobre o momento adequado de fazer essa definição. Se o Poder Legislativo vier a alterar a data das eleições, trabalharemos com essa nova realidade”, complementou.

Apesar disso, Barroso procurou enfatizar que as eleições são um “rito vital para a democracia”. “Se o adiamento vier a ocorrer, penso que ele deva ser apenas pelo prazo necessário e inevitável para que as eleições sejam realizadas com segurança para a população. A realização de eleições periódicas é um rito vital para a democracia”, concluiu.