Valor Econômico, v. 20, n. 4965, 21/03/2020. Brasil, p. A8
VUL-nerabilidades
Bruno Carazza
A covid-19 impõe um desafio sem precedentes na história econômica mundial. A
emergência da pandemia, que requer como profilaxia para se evitar um caos na
saúde pública a indução de uma recessão global, pode deixar feridas que
demorarão a cicatrizar. De uma só vez, estamos submetidos a um ataque
infeccioso que combina choque de oferta (com o rompimento das cadeias
internacionais de produção), redução drástica da demanda e a incerteza de não
saber por quanto tempo estaremos em quarentena.
O
diagnóstico de uma nova doença, com alto potencial de contaminação e níveis
relativamente elevados de letalidade, levou epidemio profissionais da
saúde a prescreverem remédios amargos de distanciamento social para conter a
evolução do número de infectados e, assim, pelo menos postergar o colapso do
sistema de saúde. A determinação dos governos de reduzir a movimentação de
pessoas e fechar temporariamente negócios não essenciais, porém, tem um
grave efeito colateral: a prostração econômica.
A
cada dia fica mais claro que a necessidade de achatar a curva epidemiológica de
contágio levará ao aprofundamento do gráfico de evolução do PIB. Como afirmou
Catherine Mann, economista-chefe do Citibank, numa excelente publicação
organizada recentemente por Richard Baldwin e Beatrice di Mauro para a VoxEU
sobre a “economia do coronavírus”, só não sabemos ainda qual será o
formato desta recessão.
No
início, economistas diagnosticavam que teríamos uma queda em “V” - uma forte
queda na produção e no consumo neste trimestre, em que tivemos que dar um
tratamento de choque na circulação econômica para conter a disseminação do
vírus, mas que seria rapidamente superada no período subsequente.
Mas
acontece que, assim como alguns pacientes estão mais suscetíveis aos efeitos da
covid-19 do que outros, os setores da economia também reagirão de modo diverso
ao isolamento imposto pelo coronavírus. Especialmente no setor de serviços não
haverá postergação de consumo para o futuro e sim uma perda definitiva de
receita - viagens rotineiras a negócio, consultas em psicólogos, jantares em
restaurantes e cortes de cabelo, por exemplo, não serão realizados em dobro ou
em triplo nos meses seguintes para compensarmos o período em que não realizamos
essas atividades porque estamos presos em casa. A recomendação médica de
evitar contato com o mundo exterior pode significar, portanto, um retrocesso
muito mais profundo e de lenta recuperação, caracterizando uma curva que teria
o formato não de um “V” agudo, mas sim o de um “U” talvez bastante aberto.
Mas
existem prognósticos ainda mais sombrios. O novo coronavírus pegou a economia
mundial num momento de baixa imunidade. A expectativa de crescimento para 2020
já era baixa, as taxas de juros se encontram no chão e as condições fiscais da
maioria dos países ainda não se recuperaram da injeção em doses cavalares de
recursos públicos para tirar o capitalismo da UTI a partir de 2008. Ainda
não sabemos como o organismo reagirá a um ataque tríplice-viral de um choque de
demanda, de oferta e de expectativas. A depender da contaminação dos mercados
financeiro, cambial e de dívidas públicas, analistas mais pessimistas começam a
traçar cenários em que a economia entra numa trajetória em “L”, com uma
queda acentuada sem recuperação relevante no médio prazo.
Diante
da pandemia, o Brasil é um paciente que inspira cuidados especiais. Nossa
resistência está baixa em função da grave crise fiscal em todos os níveis de
governo, das elevadas taxas de desemprego e de informalidade no mercado de
trabalho e da grande capacidade ociosa das empresas desde a grave recessão
de 2015 e 2016 e a lenta convalescença desde então. Preocupa principalmente o
ciclo de transmissão dos efeitos do lockdown das empresas paralisadas para o
imenso contingente de miseráveis, sub-empregados e aqueles que, mesmo tendo
emprego fixo e carteira assinada, não possuem reservas financeiras para
suportar muito tempo sem receber.
A
demora do presidente e do ministro da Economia em admitirem a gravidade da
infecção econômica e social causada pelo novo vírus contrasta com a seriedade e
a presteza com que bancos centrais e governos dos demais países têm agido para
combater seus males. Na última semana foram anunciadas ações radicais por
parte de todas as nações do G7 para evitar a mortalidade econômica de empresas,
e sobretudo de pessoas.
Se
por um lado as economias já desenvolveram uma resistência ao uso das taxas de
juros como antibiótico (pois já se encontravam em patamares historicamente
baixos), os bancos centrais têm recorrido ao afrouxamento da regulação
prudencial e ao provimento de liquidez para que instituições financeiras
continuem irrigando o mercado de crédito. Outro remédio tem sido aportar
valores bilionários do Tesouro em garantias e empréstimos em condições
especiais para garantir capital de giro para as empresas atravessarem o
período de paralisação de atividades e queda de receitas, ministrado em
conjunto com a postergação do recolhimento de impostos.
Autoridades
fiscais e monetárias de todo o mundo estão especialmente atentas ao grupo de
risco das micro e pequenas empresas (especialmente dos setores de varejo,
gastronomia, turismo, serviços pessoais e lazer), dos trabalhadores informais e
da população mais vulnerável. Para evitar o comprometimento do tecido social e
uma alta taxa de letalidade nessa população menos imune a crises, os
governos europeus e até mesmo dos Estados Unidos têm apelado para o
fortalecimento de programas sociais e transferências diretas de recursos para
conter a hemorragia e afastar a possibilidade de uma convulsão social.
Por
aqui, enquanto o ministro Mandetta aplica um coquetel de drogas para evitar que
o sistema de saúde vá a óbito, Bolsonaro e Paulo Guedes parecem acreditar no
poder da homeopatia e de fitoterápicos para tratar os efeitos da epidemia sobre
um órgão vital do corpo humano - o bolso. Com o número de infectados em franca
ascensão e boa parte das indústrias e serviços parados, o país aguarda o
anúncio de vacinas econômicas eficazes para se evitar uma grande mortandade de
brasileiros.
Bruno
Carazza é mestre em economia, doutor em direito e autor de “Dinheiro, Eleições
e Poder: as engrenagens do sistema político brasileiro”. Escreve às
segundas-feiras
E-mail: bruno.carazza@gmail.com