Valor Econômico, v. 20, n. 4961, 21/03/2020. Brasil, p. A10

Governadores pedem articulação nacional urgente

Malu Delgado


Os 27 governadores do país tentarão fazer uma reunião emergencial amanhã com os ministros da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e da Economia, Paulo Guedes. Os governadores cobram do presidente Jair Bolsonaro que articule, com urgência, uma coordenação nacional com um gabinete de crise em sintonia com os Estados para controlar, de maneira organizada, todas as ações de saúde pública, assistência social e medidas econômicas de combate à pandemia de coronavírus no Brasil.

Os grupos de WhatsApp dos governadores, tanto o geral, com os 27, quanto os regionais, estão em atividade frenética 24 horas por dia. A sensação geral dos políticos é de despreparo de Jair Bolsonaro para agir nesta crise de maneira republicana e suprapartidária, como o momento exige. Diante da inação do governo federal e da dificuldade de diálogo, os governadores têm editado uma série de decretos estaduais para suspender parcialmente o funcionamento de comércios locais e regulamentar controle sanitário em aeroportos e estradas, por exemplo. O governo federal reagiu tardiamente com a edição de uma medida provisória e um decreto, no sábado, para definir quais serviços fundamentais devem funcionar no país.

Os governadores elogiam de forma unânime os esforços de Mandetta, mas apontam a postura do ministro da Saúde, que tem feito contatos diretos com todos os secretários estaduais da pasta, como uma exceção no Executivo federal. “Estamos desmobilizando todas as atividades econômicas, e isso tem um impacto fenomenal na nossa receita, no desemprego, na atividade empreendedora. Tudo isso precisa ser coordenado de forma ampla pelo governo federal, e é isso que queremos que ele faça. Quem tem os instrumentos para enfrentar essa crise é o governo federal, porque precisa emitir títulos, o Executivo federal tem papel moeda, pode aumentar déficit, etc. Numa hora dessas o déficit está em segundo plano porque é a vida das pessoas que está em jogo. Precisamos dessa coordenação nacional”, afirmou o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB).

Segundo Casagrande, a luta contra a pandemia tem diversas dimensões - de saúde pública, econômica e de assistência social - e as informações e medidas em todas essas esferas precisam ser debatidas nacionalmente.

“Paulo Guedes tem que chamar uma reunião com os Estados. No meio de uma crise gravíssima como essa, sanitária e econômica, de saúde pública, o governo federal ignora os Estados. Ignora, como se não existíssemos! Isso é um escândalo absoluto. A exceção é o ministro

Mandetta, que tem conversado com todos os secretários de Saúde e tenta organizar alguma coisa”, afirmou o governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB). Segundo o maranhense, a crise da covid-19 vai provocar uma “hecatombe fiscal”. “Só o Maranhão vai perder R$ 1 bilhão de receitas neste ano.” Em todo o Nordeste, a estimativa é que a perda de receita poderá atingir 25% com a crise, disse o governador de Alagoas, Renan Filho (MDB).

As medidas que os governadores estão implementando, segundo Dino, são as possíveis, dentro da margem de atuação que possuem. Os governadores reclamam, por exemplo, de ainda não haver uma central organizada para a compra e distribuição de insumos médicos. “A gente faz uma medida aqui, outra acolá, compensatória. Botei o álcool gel na cesta básica, para diminuir ICMS. São pequenas medidas, porque não temos espaço fiscal nos Estados e não temos instrumentos de política econômica. Eu não tenho o BNDES, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal. Eu não posso emitir títulos da dívida pública”, alfineta Dino.

Na sexta-feira, os nove governadores do Nordeste fizeram uma reunião virtual. Discutiram, basicamente, sobre a compra de testes, álcool gel, máscaras, respiradores e outros produtos prioritários para a rede pública de saúde ter estrutura mínima para atender os infectados. Hoje, os sete governadores das regiões Sul e Sudeste também farão uma videoconferência para tentar articular uma ação conjunta de pressão sobre o governo federal. “Estamos pedindo recursos livres para a saúde, para ajudar a montar novos leitos de UTI, e a postergação da dívida dos Estados para 2021”, disse Casagrande.

No fim de semana, os governadores receberam comunicados de presidentes de agências reguladoras. “Recebi um monte de cartinhas. O presidente do Banco Central mandou ofício dizendo que ele que manda nos bancos; o presidente da Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) dizendo que ele que manda nos portos; o da Anac (Agência Nacional de Aviação Civil) dizendo que ele que manda nos aeroportos.

Ou seja, eles estão preocupados em saber quem manda em quê, e parece que estão fora do mundo real. O Brasil se acabando e eles mandando cartinhas para dizer que eles é que mandam”, criticou o governador do Maranhão.

Na tentativa de mostrar que está no comando, Bolsonaro editou uma medida provisória no sábado para definir regras de funcionamento das estradas e aeroportos. A União quer garantir a circulação de mercadorias e evitar colapsos econômicos e de abastecimento. A Bahia e o Maranhão conseguiram autorização judicial para fazer controle sanitário nos aeroportos, diante da recusa da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) em exercer o papel. As rusgas políticas entre Bolsonaro e os governadores, sobretudo com João Doria (PSDB), de São Paulo, têm impedido o governo federal de articular reunião ampliada, o que é a grande queixa.