Valor Econômico, v. 20, n. 4961, 21/03/2020. Brasil, p. A10

Supremo pode referendar ações de Estados e municípios

Isadora Peron
Murillo Camarotto


A decisão de Estados e municípios de fecharem aeroportos e rodovias para conter o avanço do coronavírus elevou a outro patamar o embate federalista com o presidente Jair Bolsonaro. Como reação, o governo editou uma medida provisória (MP) afirmando que essas medidas são de competência federal. Se o tema chegar ao Supremo Tribunal Federal (STF), porém, a visão dos ministros poderá ser influenciada pelo momento atual.

Ao Valor, um ministro do STF afirmou que o debate sobre a constitucionalidade da medida tomada pelos governantes inevitavelmente será avaliada dentro do “contexto” de crise causada pela propagação da doença. “Temos de olhar o contexto”, disse.

Questionado se considerava essas medidas justificáveis, diante de pandemia, ele disse acreditar que sim. “Acho que sim, veja o que mundo está fazendo.”

Um ministro de outra corte - o Superior Tribunal de Justiça (STJ) - consultado pelo Valor, no entanto, defendeu que a competência para a tomada desse tipo de decisão é federal. Para ele, não há como relativizar esse entendimento. “Não tem como, é regra constitucional de repartição de competências”, afirmou.

O advogado Luciano Barros, sócio da área de direito regulatório do escritório Figueiredo e Velloso Advogados, defendeu que, qualquer que seja a decisão, ela deve ser tomada em conjunto pelas autoridades públicas - federais, estaduais e municipais - para evitar insegurança jurídica.

Segundo o advogado, assim que o governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), anunciou que iria fechar as divisas, o escritório no qual trabalha recebeu uma consulta de uma empresa de banco de sangue que transporta componentes sanguíneos para o Rio, para saber se conseguiria entrar no Estado.

Na sexta-feira, o presidente Jair Bolsonaro decidiu editar uma MP para concentrar no governo federal o poder para a adoção de medidas que possam restringir o transporte de bens, a movimentação de pessoas e a manutenção de serviços durante a crise gerada pela epidemia do novo coronavírus.

A medida foi vista como uma “resposta política” aos governadores de São Paulo, João Doria (PSDB), e do Rio, que desde a semana passada têm criticado o que consideram uma apatia do governo em reagir ao avanço da epidemia. Os dois são vistos como possíveis adversários de Bolsonaro na corrida presidencial de 2022.

O governador do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB), chegou a entrar na Justiça para tentar suspender a chegada de voos comerciais de passageiros, o que foi negado. Em seu despacho, o juiz considerou que a atribuição pertence ao governo federal.

Para Dino, o que levou os governadores a tomar essas decisões foi a postura “negacionista” de Bolsonaro. Ele apontou como exemplo o fato de o presidente ter participado de uma manifestação e apertar a mão de populares no último dia 15. “Houve omissões, lentidões, lacunas, e isso fez com que os governadores ocupassem esses espaços, que estava vazio por conta da orientação errada do Bolsonaro”, afirmou ao Valor.

Segundo Dino, mesmo após a MP, os governadores vão continuar tomando as medidas que acreditam ser necessárias para conter o avanço da doença.