Valor Econômico, v. 20, n. 4961, 21/03/2020. Opinião, p. A12

BC acerta ao seguir cartilha do regime de metas de inflação



A pandemia do coronavírus coloca à prova, mais uma vez, o regime de metas de inflação com câmbio flutuante. Embora, no detalhe, a atuação do Banco Central sempre esteja sujeita a críticas, os sinais são de que esse arcabouço está permitindo uma resposta adequada à crise.

Na semana passada, o Banco Central cortou os juros básicos em 0,5 ponto percentual, de 4,25% ao ano para 3,75% ao ano. Muitos economistas achavam que seria necessário cortar mais ainda - talvez um ponto percentual - para atenuar a forte queda da inflação que deverá ocorrer com a desaceleração econômica. Outros achavam que, num cenário ainda bastante incerto, em que é difícil estimar os impactos da crise nos índices de preços, o BC deveria se mover com uma cautela ainda maior.

Ambos são pontos de vista legítimos, já que focam no que é o objetivo da taxa de juros: cumprir as metas de inflação, com a preocupação subsidiária de suavizar a oscilação do Produto Interno Bruto (PIB). O que parece equivocado é limitar o uso da política monetária para evitar uma maior depreciação do câmbio.

A taxa de câmbio importa dentro do regime de metas de inflação apenas na medida em que esse é um canal de transmissão da política monetária e também um determinante da inflação. Mas os juros não devem deixar de mirar a inflação, minimizando a flutuação do PIB, apenas para estabilizar a taxa de câmbio.

O que ocorreu nos dias seguintes à decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central mostra que esses receios eram exagerados. A cotação do dólar chegou a R$ 5,20 na quinta-feira, mas num dia de aversão a risco nos mercados globais - e depois cedeu. O real não foi um destaque negativo naquele dia. Países emergentes, no conjunto, sofreram bastante. Na sexta-feira, o dólar chegou a cair momentaneamente abaixo de R$ 5 durante o pregão.

O Banco Central não deve usar os juros com vistas a estabilizar o dólar porque um único instrumento não é capaz de perseguir dois objetivos ao mesmo tempo. Se o foco for no dólar, os juros deixarão de agir para estabilizar a economia doméstica.

O Banco Central tem agido, também, para garantir o bom funcionamento do mercado de câmbio. Seu arsenal de intervenção vem aumentando proporcionalmente à gravidade da crise. Além de swaps cambiais, estão sendo oferecidos ao mercado dólares à vista e linhas de empréstimo em dólares. A novidade na semana passada foi o anúncio de operações compromissadas em dólares com os bancos, com lastro em títulos da dívida externa soberana, os global bonds.

A exemplo da atuação do BC na política monetária, pode-se discutir no detalhe se os volumes ofertados são adequados ou se valeria a pena anunciar um grande programa de intervenção. Mas o sucesso da atuação do BC no câmbio não se mede pelo nível da taxa de câmbio. Não seria prudente tentar impedir uma tendência de desvalorização cambial, mesmo que maior do que a observada em outras economias.

O máximo que o Banco Central consegue fazer é suavizar os movimentos da taxa de câmbio e dar um pouco de racionalidade aos mercados. Em períodos de maior incerteza, a formação de preços fica prejudicada. O excesso de intervenções do BC, como ocorreu entre 2013 e 2014, apenas adiaria um inevitável ajuste na taxa de câmbio - que tenderia a se materializar com força mais tarde, como ocorreu em 2015.

Se o câmbio está subindo, em boa medida reflete o contexto internacional e a realidade da economia brasileira. O regime de metas de inflação com câmbio flutuante tem se mostrado resiliente ao longo do tempo, mas é bom notar que depende também da terceira perna do tripé de política macroeconômica. Sem a âncora fiscal, não há regime monetário e cambial que seja capaz de sustentar a economia.

Na crise do coronavírus, está claro que será necessário flexibilizar temporariamente as regras fiscais para que o governo dê uma resposta adequada à crise na saúde e seus impactos na economia. Mas o foco no ajuste fiscal de longo prazo, sem prejuízo às ações emergenciais de curto prazo, é essencial para o equilíbrio interno e externo da economia.

Muito da depreciação cambial e alta da curva de juros longa reflete ruídos políticos criados pelo próprio governo com o Congresso, além da aprovação de projetos que ampliam os gastos de forma permanente e extrapolam a resposta emergencial à atual crise.