Correio Braziliense, n. 21802, 25/10/2022. Política, p. 2

PEC travada provoca discórdia na transição

Henrique lessa


O impasse nas negociações da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição provocou ruídos, ontem, na equipe provisória do novo governo. Escolhido como o articulador político no Congresso, o senador Jaques Wagner (PT-PA) afirmou que a definição de um ministro da Fazenda facilitaria a tramitação do texto. A declaração foi rapidamente rebatida pela presidente nacional do PT, Gleisi Hoffmann, criando uma saia justa no grupo. 

 

A PEC prevê a exclusão de quase R$ 200 bilhões do teto de gastos para bancar o Auxílio Brasil, que voltará a se chamar Bolsa Família; para o adicional de R$ 150 para criança de até 6 anos; e para investimentos públicos. O montante e o prazo em que ficará extrateto travam o avanço da proposta. 

 

“Acho que falta, por enquanto, um ministro da Fazenda”, argumentou Jaques Wagner, na saída de uma reunião no Centro Cultural do Banco do Brasil, sede temporária do novo governo. “Acho que facilita, mas não depende de mim. É uma opinião. Quem vai decidir é o presidente da República”, acrescentou. 

 

Wagner confirmou que se reunirá hoje com Lula na capital paulista. Ele deve pedir ao futuro chefe do Executivo que anuncie, assim que possível, o escolhido para comandar a Fazenda. “O problema é que não tem nome na mesa, tem na cabeça do presidente”, frisou. Ao ser questionado sobre a responsabilidade  pela articulação, disse não acreditar em mágica. “Ninguém sozinho vai fazer nada. Estou ajudando porque essa é minha experiência, de articulador político, mas não sou eu que estou fazendo sozinho, tem muita gente envolvida. Querem botar nas minhas costas tudo”, desabafou.

 

Horas depois, Gleisi Hoffmann refutou a alegação de Wagner. “Está faltando é articulação política no Senado. Por isso, acho que nós travamos na PEC. A forma como foi iniciado o processo, sem falar ou sem formatar uma base mais forte de governo. Não é a falta de ministro”, ressaltou a presidente nacional do PT. “Temos de respeitar o tempo do presidente Lula.”

 

O senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), que coordena o grupo técnico de Desenvolvimento Regional no gabinete de transição, afirmou que a PEC mais rápida da história levou 37 dias, o que demonstra a dificuldade para a aprovação do texto pretendido pelo novo governo. “Não precisamos ter ansiedade com a PEC”, frisou. 

Randolfe também destacou os obstáculos à articulação, que envolve um futuro Executivo tentando negociar com um Congresso no qual diversos integrantes não conseguiram a reeleição. “É um Parlamento antigo querendo fazer exigências a um governo novo”, disse. 

 

Alternativas

Ante as dificuldades na articulação política no Congresso, a equipe de transição colocou de novo na mesa de negociações a proposta de bancar o pagamento do Auxílio Brasil em 2023 por meio de crédito extraordinário, sem a necessidade de aprovação de uma PEC. O instrumento legal escolhido para isso seria uma medida provisória.

Em declarações na quarta-feira e ontem, Gleisi Hoffmann deu a sinalização de que o novo governo poderá buscar outros “instrumentos” e “saídas”, caso não viabilize a aprovação da PEC até a posse de Lula. 

 

A saída em análise incluiria, ainda, a apresentação de uma ação no Supremo Tribunal Federal (STF) para enfatizar que o governo Lula deseja cumprir decisão da Corte que garante o pagamento de uma renda básica no país. 

 

Em decisão proferida em 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) obrigou o governo a pagar uma renda básica com base na Lei 10.835, de 2004, de autoria do ex-senador Eduardo Suplicy, que nunca tinha sido regulamentada.

 

Nessa ação, seria alegado que o governo Jair Bolsonaro não regulamentou a medida, que a decisão está suspensa, mas que o governo eleito quer cumpri-la. Para garantir o direito à renda em 2023, se pediria ao Supremo uma exceção à observância das regras fiscais.

 

A opção chegou a ser discutida no início das negociações, logo depois da eleição, e foi descartada em seguida pelo comando da transição, após Lula ter dito que o caminho preferencial seria pela política.

Pesa nessa articulação o risco político de reação do Congresso de judicializar a decisão. Mas essa alternativa é estudada pela equipe de Lula caso o petista não consiga apoio suficiente para aprovar uma PEC no Senado. (Com Agência Estado)