Valor Econômico, v. 20, n. 4961, 21/03/2020. Finanças, p. C1

BC é colocado no centro das atenções sob críticas e apelos

Lucas Hirata
Victor Rezende 


Todas as atenções estão concentradas hoje no que o Banco Central (BC) poderá anunciar ao mercado para enfrentar a gravidade da situação atual. Depois de ser duramente criticado por adotar um discurso considerado excessivamente conservador na política monetária, a despeito dos riscos de uma depressão econômica no país, a instituição convocou uma entrevista coletiva para esta manhã na qual se espera o anúncio de medidas mais enfáticas.

Ninguém descarta a possibilidade de o presidente do BC, Roberto Campos Neto, lançar mão de uma redução do compulsório bancário ou de um corte emergencial da Selic para combater os efeitos nefastos da pandemia do novo coronavírus. Nos últimos dias, a autoridade monetária vinha sendo cobrada no mercado para adotar uma postura mais agressiva, dada a urgência mostrada por diversos BCs de países emergentes para derrubar os juros, muitas vezes em decisões emergenciais.

Outro elemento que gera ansiedade é o fato de que o BC antecipou, também para hoje, a divulgação da ata da última reunião de política monetária, quando reduziu a Selic em apenas 0,50 ponto percentual, a 3,75%, e disse ver adequado o novo nível do juro básico. O discurso desagradou a diversos agentes pelo conservadorismo, em um momento em que a inflação já está baixa e a atividade deve sofrer um intenso choque ao longo dos próximos meses.

Entre as visões mais agressivas, o ASA Bank já pede queda da Selic a zero e atuação coordenada com Tesouro, com troca de títulos públicos, para derrubar o juro longo. Assim, mais que explicações, o BC terá de elevar o tom e mostrar como lidará com o cenário atual.

A pressão sobre o BC ganha força pelo fato de que a política monetária é um dos poucos recursos para estimular a economia. Mesmo que indispensáveis, as medidas fiscais adotadas pelo governo têm levantado dúvidas no mercado de juros sobre as perspectivas para as contas públicas no país. Analistas veem as iniciativas quase como um mal necessário para enfrentar os riscos de uma depressão econômica, mas alertam que as despesas não podem se tornar permanentes.

A desconfiança com o efeito fiscal tem se traduzido em firme alta das taxas de juros de longo prazo, mais sensíveis a riscos estruturais na economia. Nesses prazos, as taxas futuras se aproximaram de 10% durante a semana passada na B3, em linha com o estresse no câmbio, quando o dólar atingiu inéditos R$ 5,25 - tudo isso com uma dose reforçada de prêmio de risco global devido à turbulência causada pela pandemia do novo coronavírus. Para efeito de comparação, a taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2029 saiu de 8,21% para 9,32% só na semana passada, distanciando-se bastante da mínima recorde de 6,60% registrada em meados de fevereiro.

“A equipe econômica atual mostra um comprometimento muito forte com a agenda fiscal ortodoxa, mas agora indica que deve abrandar um pouco o aperto diante da situação de calamidade em que estamos. O estrangeiro quando olha para o mundo e vê um colapso generalizado da economia se questiona sobre qual a capacidade de determinado país de pagá-lo no futuro se a agenda fiscal for largada. Daí a disparada nas taxas de longo prazo”, diz Renan Sujii, estrategista-chefe da Harrison Investimentos.

A questão fiscal voltou, de vez, ao radar devido à pressão para tirar a economia do sufoco em um momento de crise na saúde. Primeiro, veio a decisão do Congresso de flexibilizar uma das regras que trouxe incertezas sobre o cumprimento do teto de gastos e preocupações com a disputa política entre Legislativo e Executivo. A iniciativa foi alvo de críticas de integrantes do governo e do próprio presidente da Câmara, Rodrigo Maia, e acabou resultando em uma questão jurídica, trazendo uma boa dose de desconfiança entre os agentes financeiros sobre o avanço da agenda de reformas.

Para o economista-chefe para América Latina do Morgan Stanley, Arthur Carvalho, uma mudança permanente na trajetória de gastos “não pode acontecer”. “Sendo medidas pontuais e não recorrentes, elas podem ser usadas, apesar das nossas limitações. Há espaço para fazer algo temporário e as medidas fiscais são a questão mais correta para o atual tipo de crise”, diz.

Com as pressões sociais por ações mais firmes no combate ao novo coronavírus, o governo buscou, já na semana passada, assumir a liderança do processo e lançou mão de medidas para ajudar a população. Na quinta-feira, durante entrevista à imprensa, o ministro da Economia, Paulo Guedes, anunciou mais R$ 15 bilhões em apoio a trabalhadores informais, enquanto o Ministério da Infraestrutura terá um programa de socorro a empresas aéreas. “As medidas só enxugam gelo. Podem até ajudar, mas não resolvem nada”, diz um profissional de renda fixa que prefere não ser identificado.

Para Patricia Pereira, estrategista da MAG Investimentos, a iniciativa do governo de pedir o reconhecimento de calamidade pública no país, o que dispensa o cumprimento da meta fiscal para este ano, é bem-vinda, mas adiciona incertezas à situação fiscal. “A medida, obviamente, é correta. Precisamos ajudar as pessoas e o fiscal atua nesse sentido. No entanto, pensando no pós-crise, claro que vamos ter bem mais trabalho para colocar a situação fiscal de novo no lugar”, afirma.

Para medir o tamanho do prêmio de risco, bastar ver a diferença entre as taxas de longo e as de curto prazo. Esse termômetro, conhecido como inclinação da curva de juros, tem subido de forma intensa nas últimas semanas. A diferença entre a taxa de janeiro de 2029 e a de janeiro de 2021, por exemplo, já supera 5 pontos percentuais, mais que o dobro da mínima registrada no ano, de 2,34 pontos em fevereiro.

A questão fiscal é quase inescapável. Em todo o mundo, a percepção dos investidores é clara: o colapso do crescimento global neste ano devido ao novo coronavírus tem feito com que governos anunciem medidas de estímulo à economia. “Governos de todo o mundo têm implementado medidas estimulativas abrangentes. A curva longa responde a isso e continuará respondendo”, afirma um gestor de renda fixa.

No Brasil, os economistas do Itaú Unibanco projetam um déficit primário de 3,1% do PIB neste ano, que a piora na projeção está relacionada a gastos com medidas para combate aos impactos do novo coronavírus e à queda de receitas em razão da atividade econômica mais fraca e dos preços do petróleo mais baixos. “Esperamos que as medidas tomadas não criem despesas permanentes, de modo que o ajuste fiscal gradual proporcionado pelo teto de gastos seja retomado de 2021 em diante”, escrevem em relatório.

Diante de tantos fatores de nervosismo no radar, o operador de renda fixa Matheus Gallina, da Quantitas, nota um reposicionamento dos investidores, que fogem do risco de toda forma. “Há um fluxo de zeragem de posição dos investidores. Não é tanto uma questão de fundamento.”

Ainda assim, Gallina ressalta que a incerteza fiscal também paira sobre o mercado, devido ao risco de o aumento do orçamento gerar um problema nas contas públicas no futuro, mesmo que a flexibilização fiscal seja algo temporário de caráter emergencial. “Acaba sendo mais um combustível para o aumento de aversão ao risco.”

Levantamento do BNP Paribas mostra que a maior parte das posições dos fundos nacionais em taxas futuras de juros é de aposta na queda. “No entanto, sublinhamos que há uma ausência de consenso entre os fundos em relação ao tamanho e à posição”, dizem os estrategistas do banco francês.

A incerteza fiscal é trazida principalmente por possíveis medidas que se tornem despesas permanentes. Depois dos parlamentares decidirem flexibilizar as regras do Benefício de Prestação Continuada (BPC), “ficou uma dúvida sobre o que o Congresso pode fazer se assumir a dianteira e começar a criar despesas permanentes”, afirma o economista-chefe da Novus Capital, Tomás Goulart. “O mais importante é não permitir que a âncora fiscal de longo prazo, o teto de gastos, seja alterada”, acrescenta.