Valor Econômico, v. 20, n. 4961, 21/03/2020. Empresas, p.B1

CVM será flexível, diz presidente

Juliana Schincariol


Além de buscar dirimir ou contornar os efeitos da crise do novo coronavírus em seus negócios, as companhias abertas se preocupam com prazos e deveres exigidos pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM). Assembleias de acionistas, entrega de demonstrações financeiras e distribuição de dividendos estão entre os pontos principais de atenção, pelo menos a curto prazo. A autarquia vai buscar ser flexível na medida do possível e dará novas orientações ao mercado, em linha com o que já vem fazendo, disse ao Valor o presidente da CVM, Marcelo Barbosa.

A lei das S.A. (lei 6.404) e as normas da CVM preveem obrigações periódicas às companhias, incluindo prazos que vão de registros de ofertas públicas a processos sancionadores. “Estão sendo feitas análises para comunicar aos interessados em todas as situações possíveis. Estamos sendo flexíveis, sempre que não importe em perda para o trabalho. Temos procurado emitir orientações e outras devem sair num futuro bem próximo”, afirmou. O objetivo é eliminar ruídos e focos de preocupações desnecessários. Nos últimos dias, o regulador divulgou orientações como a prorrogação de prazos para ofertas públicas de valores mobiliários, por exemplo.

No sábado, a CVM reiterou ao mercado que não há no momento nenhuma discussão para interrupção de negócios realizados em bolsa no Brasil e negou que pressiona a B3 para isso. A autarquia se manifestou depois de reportagem da revista “Veja” que diz que o estado de calamidade pública declarado deve fazer com que a bolsa interrompa seus negócios.

As regras prevendo cumprimento de prazos para realização de assembleias e para publicação de demonstrações financeiras são obrigatórias e previstas em lei, lembrou o presidente da CVM. “Temos trabalhado junto com o Ministério da Economia, que está bastante atento a isso. As equipes têm se falado constantemente para apresentar uma solução”, disse Barbosa. Além do próprio trabalho da autarquia, a Associação Brasileira das Empresas Abertas (Abrasca) pretende apresentar proposta de Medida Provisória (MP) à CVM e ao Ministério da Economia para o adiamento das assembleias da temporada de 2020, que devem ocorrer até 30 de abril.

No Brasil ainda não é possível realizar uma assembleia 100% virtual. A regra exige um quórum mínimo presencial. “Temos que ser realistas com relação ao que é possível ao cumprimento de prazos. Devemos ter uma solução adequada para isso em breve”, disse Barbosa. O regulador já sinalizou, em reunião privada com uma companhia de capital aberto que não acusará empresas que atrasem alguma obrigação ou a assembleia, desde que fique comprovado atraso pela crise, apurou o Valor.

“O mercado precisa de flexibilidade. Cada companhia tem uma situação específica”, disse o advogado Luiz Antonio Campos, sócio do BMA Advogados e ex-diretor da CVM. Há manifestações de reguladores da

Europa e dos Estados Unidos para assembleias virtuais. “A CVM tem condições de facilitar a participação em assembleias. As companhias estão inseguras e nenhuma quer descumprir as normas”, afirmou. Para ele, o regulador precisa orientar o mercado, “praticamente em caráter emergencial”.

O presidente da Associação dos Investidores no Mercado de Capitais (Amec), Fábio Coelho, disse que as empresas terão que decidir prioridades. “Seria prudente uma sinalização rápida de flexibilização porque se teria mais conforto para assembleias e mais segurança, Nem as empresas de ‘proxy voting’ [recomendação de voto] estão preparadas para esse momento.” A Amec, o Instituto Brasileiro de Relações com Investidores (Ibri) e o Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) pediram à CVM mais prazo para entrega de resultados e assembleias.

Quanto à obrigação de distribuição de dividendos, há disposição na lei para que a companhia crie reserva especial para contingências, diz o advogado Daniel Avila Vio, sócio do Chediak Advogados. “Para quem já declarou dividendos, se torna uma dívida como qualquer outra. Tem uma discussão na CVM e nos tribunais sobre se há má administração em caso de motivo posterior que impeça o pagamento de dividendos”.

O trabalho da CVM exige análise sobre cada caso e não é possível decidir tudo de uma vez, diz Barbosa. E é necessário analisar se o não cumprimento de algum dever por um regulado fere o direito de outro. A crise atual encontra um mercado mais evoluído e um sistema financeiro mais forte do que em 2008, mas ainda é cedo para ser taxativo quanto aos efeitos. “Vai ser muito duro. Estamos olhando para emissores menores”. (Colaborou Raquel Brandão, de São Paulo)