Título: Os pobres ficam nas bordas
Autor: Denise Assis
Fonte: Jornal do Brasil, 24/10/2005, Rio, p. A14
O motivo de nada disso ter ido adiante, na visão do mestre em Antropologia Social pela UFRJ e doutor em Sociologia pela Universidade de Rutgers, de Nova Jersey, EUA, Luiz Antônio Machado da Silva, não está apenas no descaso das autoridades. A questão, para ele, é muito mais profunda. É que a favela reproduz a luta de classes e é fruto da acomodação das diversas camadas da sociedade, sob o ''controle social'' do poder. Sem medo de errar, ele afirma: - Nenhuma política de intervenção de melhoria de condições habitacionais de população pobre jamais deu certo em lugar nenhum do mundo. Em alguns lugares atingiu a 10% da população, em outros chega a 12%, outros 5%, mas esta é uma questão que permite apenas ser negociada. Solução, não há - garante.
Investido da autoridade de quem pesquisa o assunto desde 1969, o antropólogo diz que para não enfrentar esse tipo de problema, só se o país tivesse aberto mão da industrialização e optado ''por um capitalismo light, o que teria sido impossível, dado ao rumo que trilhamos.''
Ele lembra que nos anos 20 houve um surto de industrialização relacionado com a Primeira Guerra, mas pouco intenso. A partir dos anos 30, o Brasil viveu um processo de industrialização, no sentido massivo. E ressalta que quem mudou de fato a relação industrial foi o presidente Juscelino Kubitschek.
- O processo que começou nos anos 30 foi implantado sob a forma de substituição de importação e o país se consolidou como um país capitalista. Antes disso, a população sem recursos e sem vínculos já vinha ''orbitando'', em torno dos aglomerados de classe média, onde havia os recursos de sobrevivência - afirma o antropólogo. - A história da favela é essa. Os pobres foram ficando nas bordas. Foi a procura da aproximação das populações que já não eram mais agrícolas, aos novos recursos de sobrevivência.
Nesse processo de ''acomodação'' ao novo modelo, as favelas começaram a ficar próximas demais. Surgiram então, nos anos 20, as primeiras tentativas de solução. O governo estimulava os empresários a buscar empréstimos e financiamentos, a fim de organizar a habitação para seus funcionários e trabalhar suas mentalidades. O estímulo à iniciativa privada não deu certo.
- Não havia dinheiro, e o problema não era suficientemente grande a ponto de incomodá-los. Os empresários só desembolsariam recursos para organizar alguma coisa que os incomodassem. E o governo só se disporia a dar mais dinheiro se o problema fosse mais sério do que era. Não deu certo porque não precisava nada além do que foi feito para manter a coisa em 'banho-maria', vamos dizer assim - afirma.
Luiz conclui dizendo que nunca houve nem disponibilidade, nem alocação de recursos suficientes para fazer face nem a 5% das necessidades de produção de habitação. Não só no Brasil, como no mundo inteiro.