Título: Solução negociada é a saída
Autor: Denise Assis
Fonte: Jornal do Brasil, 24/10/2005, Rio, p. A14
Com problemas de ocupação irregular há mais de 50 anos, Rio coleciona projetos que nunca saíram do papel
Para conter e organizar o crescimento desordenado das favelas, que hoje à luz do politicamente correto chamamos de comunidades carentes, o país já teve vários planos. Todos eles, claro, testados no Rio de Janeiro, onde o problema sempre foi mais agudo e de maior visibilidade. Dos mais repressivos - os parques proletários construídos no início do Estado Novo, e as remoções empreendidas no governo de Carlos Lacerda - ao programa Favela Bairro, do atual governo municipal, esses planos não apontaram uma solução. Um estudo do Instituto Pereira Passos, órgão ligado à Secretaria Municipal de Urbanismo, feito com base nos números do censo de 2000, do IBGE, atesta que o crescimento das favelas foi de 2,4% ao ano, enquanto que o resto da cidade cresceu apenas 0,38%. Traduzindo, isso significa que as ''favelas'' cresceram em um ano o que o ''asfalto'' leva seis anos para crescer. A população do município do Rio, que era de 5.480.778 habitantes em 1991, passou para 5.851.914 em 2000. Nesse universo, o número de ''favelados'' já vai além de um milhão, e o de ''favelas'' está em torno de 700. O número de habitantes de comunidades carentes aumentou mais rapidamente nos bairros da Barra e Jacarepaguá, enquanto no resto da cidade, de um modo geral, a população diminuiu nas áreas consolidadas. Suspeita-se que por terem, as famílias, reduzido o número de filhos.
Um projeto localizado no Arquivo Nacional, entre os guardados de Paulo Assis Ribeiro, nome de destaque na política de Getúlio Vargas a Humberto Castelo Branco, de quem foi um dos assessores, demonstra que quando atuou no planejamento e implantação do Instituto de Desenvolvimento Agrário, nos anos de 1962 a 1963 e, mais tarde, como presidente do Instituto Brasileiro de Reforma Agrária, de 1965 a 1967, ele quis implantar as ''agrovilas'', com o objetivo de deter o homem no interior do país, evitando o êxodo rural e a formação das favelas. O projeto chegou a ser orçado em 50 milhões de dólares, que seriam financiados pelo BNDES.
As agrovilas seriam compostas de 30 lotes agrícolas dispostos em círculos circunscritos, em cujo centro seria construída uma praça com igreja, setores de educação e recreação. No segundo anel estariam os de administração e assistência. Num terceiro anel, viria o setor comercial, e nos dois últimos os setores industriais e os lotes residenciais. Ao que se sabe, esse programa jamais saiu do papel.
Na mesma pasta, Paulo Assis Ribeiro guardou um estudo da Campanha de Urbanização das Favelas do Rio de Janeiro - Princípios básicos que a norteiam, do início dos anos 50. Junto estava um depoimento de D. Hélder Câmara à Câmara dos Deputados expondo seu projeto de criação da Cruzada São Sebastião, e o seu estatuto. Nas campanhas de D. Hélder, um alerta: ''Os comunistas encontram campo fácil para sua pregação de luta de classes, porque é realmente gritante o contraste entre as casas dos favelados e as residências do meio independente, especialmente na Zona Sul''.
Tínhamos então, segundo esses documentos, 150 favelas e 400 mil favelados descritos como ''focos perigosos de agitação social''. A campanha, que começou em 1953, tinha em vista a urbanização das favelas do Rio em 12 anos, até o IV Centenário da Fundação da Cidade, em 1965. O projeto teria início pela Praia do Pinto, descrita como ''uma das mais tristes de nossas favelas''. Hoje, sabe-se, a favela da Praia do Pinto pegou fogo misteriosamente. O incêndio é atribuído a especuladores imobiliários, pois ficava em uma das áreas mais nobres da cidade, onde está o condomínio Selva de Pedra, no Leblon.