O Globo, n. 32592, 31/10/2022. Política, p. 4

O Brasil escolhe Lula mais uma vez



Na eleição mais acirrada da história para o Palácio do Planalto, o Brasil decidiu ontem dar mais um mandato para Luiz Inácio Lula da Silva (PT), presidente da República entre 2003 e 2010 e agora eleito com mais de 60 milhões de votos (50,89%). O terceiro governo do petista foi confirmado após uma disputa voto a voto contra Jair Bolsonaro (PL), o primeiro presidente a fracassar na tentativa de reeleição ao alcançar 58 milhões de votos (48,91%), apenas 2 milhões a menos que o seu rival.

Depois da mais agressiva eleição de todos os tempos, o desafio de Lula será unir o país, dividido por uma campanha repleta de mentiras e diversos episódios de violência, em que poucas propostas foram debatidas pelos candidatos. Em seu primeiro discurso após a vitória, o tom foi de conciliação, agradecendo aos apoios de novos aliados como o vice Geraldo Alckmin (PSB), a senadora Simone Tebet (MDB) e a ex-senadora Marina Silva (Rede) e acenando para os eleitores que votaram em Bolsonaro.

— É hora de reunir de novo as famílias, refazer os laços de amizade rompidos pela propagação criminosa do ódio (...) e que a gente possa inclusive restabelecer a paz entre os divergentes — disse, em discurso lido em São Paulo (mais detalhes na página 6), quando também ressaltou a necessidade de combater a miséria. — Nosso compromisso mais urgente é acabar outra vez com a fome.

A décima eleição pós-redemocratização dá mais uma vez protagonismo ao PT, vencedor de cinco disputas presidenciais desde 1989. O partido, que elegeu a segunda maior bancada do Congresso e quatro governadores, volta ao poder após duas profundas crises nos últimos seis anos: o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016; e a prisão de Lula, em abril de 2018, pela operação LavaJato, seis meses antes da derrota de Fernando Haddad para Bolsonaro. Solto em novembro do ano seguinte, o ex-presidente retornou de vez à cena política em março de 2021, quando o Supremo Tribunal Federal anulou suas condenações e sua précandidatura ao Planalto foi lançada pelo PT.

O petista assumirá um país bem diferente do que recebeu em 2002, com níveis de pobreza e de circulação de armas em alta, além da perspectiva de avanço da inflação em um cenário de desarranjo fiscal deixado por Bolsonaro, em contraste com o esforço de estabilização econômica dos anos 1990.

Congresso desafiador

Na sociedade, uma mudança profunda é o avanço da parcela de evangélicos, segmento que se mostrou um dos mais resistentes a Lula e à esquerda nesta eleição: eram 15,4% dos brasileiros no início do século, segundo o Censo, e hoje se estima que representem ao menos o dobro deste percentual.

Na política, mais desafios. No Congresso, o presidente eleito terá de lidar com uma ampla bancada de oposição encabeçada pelo PL, partido de Bolsonaro, que terá 99 deputados e 14 senadores. O maior estado do país, São Paulo, será governado pelo exministro do presidente Tarcísio de Freitas (Republicanos), eleito com 13,4 milhões de votos contra 10,9 milhões de votos de Fernando Haddad (PT).

Na noite de ontem, enquanto Bolsonaro não se manifestou sobre o resultado das urnas, seus aliados como o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP),e o próprio Tarcísio de Freitas reconheceram a derrota e enfatizaram a necessidade de diálogo com o futuro presidente a partir de 2023.