Valor Econômico, v. 20, n. 4961, 21/03/2020. Legislação & Tributos, p. E1

Redução remuneratória em tempos de crise

Marcelo Ricardo Grünwald


Vivemos momentos de perplexidade e de incertezas. A mobilização mundial para evitar o alastramento da pandemia da covid-19 (coronavírus) coloca em xeque a continuidade normal das operações de várias empresas, notadamente as companhias aéreas, de navegação, hotelaria, restaurantes, entretenimento e tantas outras atividades econômicas, sem distinção.

Se por um lado os empreendimentos não podem deixar de cumprir os seus compromissos, por outro percebem que o faturamento já vem minguando de forma assombrosa, com péssimas perspectivas para os próximos meses.

O momento exige rápida reflexão e a ágil busca de mecanismos de proteção disponíveis na legislação a fim de se evitar um mal maior, quiçá o próprio encerramento das operações, com os danos daí decorrentes. É hora de negociação. Negociação com credores, fornecedores, com os prestadores de serviços e principalmente com os empregados.

A Lei nº 4.923, de 1965, já estabelecia em seu artigo 2º, que as empresas, em face de sua conjuntura econômica devidamente comprovada, poderiam, mediante negociação prévia com a entidade representativa dos empregados (sindicatos), reduzir a jornada de trabalho com a correspondente redução salarial. O mencionado dispositivo legal foi recepcionado pelos incisos VI e XIII do artigo 7º da Constituição Federal de 1988, ao garantir a irredutibilidade de salários “salvo o disposto em convenção ou acordo coletivo”.

O artigo 611-A, parágrafo 3º, da CLT, com redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017, também veio reforçar a tendência atual do direito do trabalho em dar prevalência aos acordos e convenções coletivas, admitindo, em um cenário de crise, que empregador e empregados (estes obrigatoriamente representados pelo sindicato) negociem uma possível redução de jornada com a consequente redução salarial, a minimizar os impactos econômicos da grave crise econômica advinda no vácuo da pandemia da covid-19.

Desde que a realidade econômica exija, as empresas podem se mobilizar para convidar as entidades sindicais dos empregados para expor os problemas e demonstrar objetivamente os riscos envolvidos no momento. A redução remuneratória apresenta-se como um mal menor diante da necessidade de dispensas coletivas ou do próprio encerramento das operações com o consequente fechamento das vagas de trabalho que representam.

Em um momento em que os sindicatos vêm atravessando um período de difícil adaptação com o fim das contribuições compulsórias, é necessário perceber que essas entidades sempre foram e continuam sendo importantíssimos agentes, não só para a defesa das categorias que representam, mas também para auxílio na gestão dos negócios de qualquer empreendimento até porque conhecem as atividades nas quais estão inseridas, sendo natural que compreendam situações excepcionais que justifiquem intervenções mais radicais, tal como a redução remuneratória de seus representados.

Feita a opção pela via negociada, além de cumprirem a exigência de firmarem acordo ou convenção coletiva e acatadas as disposições dos artigos 612 e seguintes da CLT, ficam mantidos analogicamente os requisitos da Lei nº 4.923, de 1965, dentre eles o de que a redução remuneratória não poderá superar 25% dos salários e os valores não poderão ser inferiores ao salário mínimo regional.

É relevante advertir que a redução proposta aos empregados deverá atingir da mesma forma diretores e gerentes, com impacto na remuneração e gratificações.

A redução remuneratória poderá durar até três meses, admitindo prorrogação desde que persistentes as condições que deram causa à negociação. Durante o período de redução não será permitido o trabalho em horas extraordinárias, exceto por força maior, conforme disposto no artigo 61 da CLT.

Na vigência do acordo ou convenção coletiva, que regule a redução remuneratória, os empregados não poderão ser demitidos injustamente, seguindo o que preceitua o parágrafo 3º do artigo 611-A, com redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017.

Outra alternativa, superada a melhor opção da negociação, é a aplicação do preceito esculpido no artigo 503 da CLT, que traz expressa previsão de que, em caso de força maior ou prejuízos devidamente comprovados, é lícita a redução de salários, no limite de 25%, respeitado, em qualquer caso, o salário mínimo regional. Força maior deve ser entendido como o acontecimento inevitável, em relação à vontade do empregador, e para a realização do qual este não concorreu, direta ou indiretamente (artigo 501 da CLT).

Na hipótese de a empresa entender suficiente para diminuição de custos a redução de salários e gratificações, atingindo tão somente o “topo da pirâmide”, ou seja, os seus diretores e gerentes, desde que se tratem de profissionais com diploma de nível superior, que recebam salários mensais iguais ou superiores a duas vezes o limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, a disposição do artigo 444, redação dada pela Lei nº 13.467, de 2017, permite a negociação individualizada, dado o caráter de “hipersuficiente” de tais colaboradores.

Verificada, portanto, a impossibilidade de operação ou diminuição das vendas e consequente faturamento da empresa por conta da epidemia com consequências financeiras graves para o empreendimento, é perfeitamente defensável o acionamento das prerrogativas tratadas pela lei, a permitir a diminuição dos custos com a folha de pagamento e a continuidade do negócio.

Esta pandemia vinda de tão longe, de um país com liberdades restritas e sindicatos controlados, poderá sinalizar que chegou o momento de representantes das empresas e dos empregados se aproximarem, a fim de exercerem as suas verdadeiras funções para juntos buscarem uma solução para garantir a própria sobrevivência.

Marcelo Ricardo Grünwald é mestre em Direito das Relações Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e sócio de Grünwald e Giraudeau Advogados Associados

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