Valor Econômico, v. 20, n. 4966, 24/03/2020. Brasil, p. A6

Ação pecou ao só mirar empregador, dizem analistas
Bruno Villas Bôas 


A Medida Provisória (MP) 927, publicada no domingo e que dispõe sobre medidas trabalhistas para enfrentar a crise gerada pelo coronavírus, eleva a resiliência das empresas no curto prazo, dizem especialistas, ao permitir adiar o recolhimento de FGTS, antecipar férias e tornar claras as regras de trabalho remoto.

Para eles, o ponto falho das ações publicadas foi o olhar apenas para o empregador, sem mirar a renda dos trabalhadores. A medida mais polêmica nesse sentido acabou revogada ontem pelo governo federal - a que permitia suspensão de contratos de trabalho por até quatro meses sem pagamento de salários.

O economista e professor José Pastore, da Universidade de São Paulo (USP), avalia que a MP teve o mérito de oferecer medidas capazes de serem implementadas em curto prazo pelas empresas, além de permitir negociações diretas entre empregados e empregadores em parte dos casos.

“A MP é positiva porque estamos diante de um momento de ‘guerra’ e medidas que permitam ações rápidas são bem-vindas. Essa MP está tornando coisas mais rápidas de serem resolvidas, deixando as negociações diretamente entre empregadores e empregados. Tem muita coisa nesse campo”, diz Pastore.

O especialista passou a manhã ao telefone com empresários detalhando as medidas. “Eu não sei qual será a força da crise, por isso não saberia dizer se as mudanças vão salvar empresas e emprego. Se a crise for muito forte, não tem medida que segure empregos e empresas”, acrescentou.

O governo deve reeditar nos próximos dias o artigo que prevê a suspensão do contrato de trabalho, incluindo assistência de renda ao trabalhador. Hélio Zylberstajn, professor sênior da FEA/USP e coordenador do projeto Salariometro.org.br, diz que, mesmo que empregadores paguem parte do salário, a suspensão do contrato valerá a pena para empresas.

De acordo com o pesquisador, se a empresa suspender o contrato de trabalho e pagar 68,5% do salário do empregado por quatro meses, o custo será o mesmo de uma demissão. Ele levou em conta nos cálculos um empregado com salário de R$ 2 mil mensais e benefícios de R$ 500. Isso significa que a medida pode ter ampla adesão das empresas, acredita ele.

“Se a empresa mantiver o benefício e pagar até 43,5% dos salários, sai mais barato que demitir. Então, a mensagem é que o governo se precipitou em revogar este artigo da MP. Vamos esperar que inclua na nova MP”, diz o economista.

Ele alerta que o governo federal não pode tornar a medida burocrática. O Programa de Proteção ao Emprego (PPE), lançado pelo governo Dilma em 2015 e que previa a redução temporária da jornada de trabalho, com diminuição de até 30% do salário, não teria “emplacado” devido a dificuldades criadas.

“Era complicado fazer a redução com ajuda do governo, porque tinha que provar que não tinha demitido ninguém em um determinado período até a data, não podia ser inadimplente com tributos. Mas na crise, claro, as empresas já haviam deixado de pagar algum imposto, já tinham demitido um pouco”, explica.

Fabio Bentes, economista da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), afirma que a entidade havia sugerido ao governo federal medidas semelhantes das anunciadas. No caso da suspensão do contrato de trabalho, porém, havia proposto que os empregados continuassem recebendo alguma renda.

“Propomos que o empregado pudesse sacar o valor do seguro desemprego. Se ganhasse R$ 1.500, receberia o benefício e a empresa complementaria a diferença. Seria um custo dividido entre o setor público e privado”, afirmou o economista.

Para ele, sem olhar a manutenção renda, a MP pode gerar um problema maior no consumo. “É preciso manter alguma renda, algum nível de consumo. Sem isso e sem aumento da oferta de crédito, a crise pode ser mais intensa e criaremos um problema ainda maior no futuro”, explica Bentes.