Valor Econômico, v. 20, n. 4966, 24/03/2020. Brasil, p. A6

Revogação escancara corrosão da autoridade presidencial

Maria Cristina Fernandes


Isolado dos governadores e do Congresso, em desavença com seu ministro da Saúde e reprovado por seu eleitorado, o presidente Jair Bolsonaro se apega à caneta como a fonte de onde hoje começa e termina seu poder. A revogação do artigo 18 da Medida Provisória 927, que autorizava às empresas

Isolado dos governadores e do Congresso, em desavença com seu ministro da Saúde e reprovado por seu eleitorado, o presidente Jair Bolsonaro se apega à caneta como a fonte de onde hoje começa e termina seu poder. A revogação do artigo 18 da Medida Provisória 927, que autorizava às empresas

Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), que o chamou de “capenga”, pelo presidente do Senado, Davi Alcolumbre, e pela maior parte das lideranças do Congresso, por onde a medida tramitará.

A MP também foi rechaçada pelo Ministério Público do Trabalho (“expõe risco iminente de falta de subsistência”) e pela Associação Nacional dos Juízes do Trabalho (“inconstitucional, inoportuna e desastrosa”). E, finalmente, foi repudiada por nota conjunta das oito centrais sindicais (“cruel e escandalosa”).

A reação mais ensurdecedora, no entanto, estava sendo preparada para o panelaço de ontem à noite. A movimentação, nas redes sociais, indicava que, desde o início dos panelaços, este prometia ser o de maior engajamento, inclusive de ex-eleitores do presidente. O Datafolha mostrou que a maior corrosão na popularidade do presidente se deu no segmento de renda e escolaridade altas, em que Bolsonaro colheu sua melhor votação em 2018.

A suspensão de salário por quatro meses sem compensação iria na contramão das medidas adotadas no mundo inteiro. Na União Europeia, trabalhadores de mais baixos salários vão receber, em média, 80% de seus rendimentos. Nos Estados Unidos, será entregue pelo menos um cheque de US$ 1 mil para cada um deles.

Uma vez decretada a calamidade pública, já se esperava que uma medida provisória viesse a normatizar as relações de trabalho durante a pandemia. O próprio presidente da Câmara disse que o entendimento com o Executivo era de que trabalhadores com rendimentos até dois salários mínimos viessem a ter uma redução de 50% no salário e que o governo entraria com um aporte de R$ 10 bilhões para garantir a folha de pagamento das empresas. Tudo isso, porém, sumiu do texto. Houve um “erro de redação”, explicou um ministro Paulo Guedes acuado, titubeante e tão corroído na sua autoridade quanto o chefe da nação.