Valor Econômico, v. 20, n. 4966, 24/03/2020. Brasil, p. A6

Congresso deve devolver texto, defendem centrais

Anaïs Fernandes


As centrais sindicais querem que a Medida Provisória 927, encaminhada ontem pelo governo para tratar de mudanças nas regras trabalhistas durante a crise do coronavírus, seja integralmente devolvida pelo Congresso, mesmo após o presidente Jair Bolsonaro ter afirmado que vai revogar o artigo mais polêmico, sobre a suspensão do contrato de trabalho por até quatro meses.

A MP é considerada “cruel e escandalosa” pelas oito centrais que assinam nota conjunta, entre elas, a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a União Geral dos Trabalhadores (UGT) e a Força Sindical. Na opinião das entidades, Bolsonaro age de forma “discriminatória e antissocial, jogando nas costas dos trabalhadores mais fracos e mais pobres todo o "ônus” da crise.

“A MP foi feita sem falar com ninguém, sem ouvir nenhuma central, Justiça do Trabalho, nada. A nossa posição é que a MP tem que ser devolvida inteiramente”, afirmou Sérgio Nobre, presidente da CUT.

Segundo ele, a MP estimula a negociação individual entre empresa e funcionário “justo agora que as decisões têm que ser coletivas”. Nobre diz que os sindicatos estão habituados a lidar com medidas necessárias para enfrentar crises, como o “layoff” (suspensão não remunerada de contrato). “Os sindicatos conseguem fazer a negociação coletiva, têm tradição, não é a primeira crise que o movimento enfrenta, temos expertise. Todo mundo tem bom senso e consciência do momento”, afirmou.

As centrais criticam também o fato de a contaminação pelo novo coronavírus não ter sido considerada acidente de trabalho, “o que é particularmente cruel com estes trabalhadores e os trabalhadores da saúde”.

Uma das possibilidades caso a MP não seja devolvida é a apresentação de Ação Direita de Inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF), diz Ricardo Patah, presidente da UGT. “Por mais que o artigo polêmico tenha sido revogado, a MP elimina o movimento sindical de tratar de temas, alguns deles constitucionais, para os quais somos chamados”, afirmou.

Para as entidades, a hora é de o Estado “exercer seu papel de regulador, protegendo empregados e empregadores e resguardando a renda e o funcionamento da economia”. Na opinião de Patah, porém, a MP reflete “um governo perdido, sem rumo” e que foi “muito tímido” até o momento em suas ações no front econômico. “Os trabalhadores precisam receber recursos, não dá para colocar as pessoas em casa e deixar tudo nas costas da micro e pequena empresa”, disse.

As centrais propõem a criação de um “gabinete de crise” com Parlamento, órgãos dos Estados e representantes de empresários e trabalhadores. “Já que o governo não está governando, que a gente consiga tomar as medidas para dirigir a crise. Nem as empresas sabem o que fazer, não têm orientação. O importante agora é ter comando”, diz Nobre, da CUT.

As centrais defendem a implementação de um programa emergencial que contemple, entre outras ações, constituir um fundo para garantir o pagamento mensal, durante a crise, de um salário mínimo para desempregados e informais; acelerar o processo de concessão de aposentadorias e criar linhas de crédito para os setores sensíveis, com a contrapartida de manutenção de emprego, salário e direitos.