Título: O risco do ''não'' à política
Autor: RODRIGO DE ALMEIDA
Fonte: Jornal do Brasil, 25/10/2005, País, p. A2

Feito Jesus - que, acompanhado de seus discípulos e centenas de mendigos, expulsou os vendilhões do Templo de Jerusalém -, os eleitores emitiram no referendo de domingo um grito de repulsa. No previsível e perigoso deleite das catarses coletivas, mostraram não só a exasperação contra o medo. Convocados a votar sobre o comércio das armas, os brasileiros evidenciaram uma indignação represada. Avaliações correntes sugeriram que no alvo estava o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. De fato, apesar da presumida recusa, o petista espremeu o suco azedo da derrota. Mas não espremeu sozinho. Os efeitos do "não", claro, serão confirmados apenas com a contabilização das urnas em 2006, quando estarão em disputa a Presidência da República, os governos estaduais e a maioria do Congresso. Mas, além de Lula, atingiram-se quase todos os presidenciáveis à vista: José Serra, Geraldo Alckmin, Aécio Neves, Fernando Henrique, Anthony Garotinho. O mesmo vale para personagens ansiosos por lustrar a imagem, como o senador Renan Calheiros (que tenta recompor a reputação de bajular todos os inquilinos do Planalto desde Fernando Collor de Mello). Todos defenderam o "sim". Perderam.

Se todos perdem, a tendência seria acreditar que ninguém perde tanto assim. O padecimento conjunto anularia o infortúnio do grupo. Os maiores riscos, no entanto, depositam-se sobre os ombros dos mais desesperados. Como um presidente que tenta sair da agonia de um mandato tisnado pelo vírus da corrupção e da incompetência - e por um presidente cada vez mais descolado da realidade. Vai levar algum tempo, porém, para que tais premissas se confirmem.

É o caso do medo nacional estampado no referendo. Se somado ao desejo e à esperança, este insidioso sentimento pode incitar a ação. Caso seja conduzido pela descrença, arrisca-se a levar o país a uma danosa letargia. Há suficientes razões para este palpite: a de que o "não" de domingo significou um "não" aos políticos ou aos governos de todos os níveis. Terá sido a versão nacional para o panelaço argentino - "que se vayan todos, que se vayan todos, que no quede ni um solo", repetiriam os gritos adornados pelas panelas em Buenos Aires.

Brasileiros, contudo, costumam ser menos enfáticos nas ações coletivas. Aqui, somada à histórica passividade, uma possível desesperança contra "tudo o que está aí" estimula um tenebroso vazio, balizado pela negação burra da política e da vida pública - sem as quais os problemas estruturais do país se tornarão muralhas intransponíveis. O risco para 2006 já está evidenciado: a conjugação entre uma direita raivosa ressuscitada (tão danosa quanto a esquerda xiita), um populismo conservador, uma oposição sem discurso e um governo surpreendentemente vivo, mas moribundo e sem projeto - todos envoltos em ódios e rancores acumulados.

Os eleitores do "sim" e do "não" talvez deram votos igualmente bons. Os temores, no entanto, vão além das trincheiras expostas nas ruas. Há outros medos em curso e serão vigorosamente sentidos até o retorno às urnas no próximo ano.

Histerismo tucano O PT desenredou-se com as malas e mensalões que surgiram no caminho. Com o caixa 2 que pagou a Altos Companheiros e ao marqueteiro Duda Mendonça. Com uma mal explicada conta do filho do presidente Lula. O partido pagou, está pagando e ainda pagará caro por isso. Finalmente chegou a hora de descortinar a presença do senador Eduardo Azeredo numa das pontas do valerioduto que engordava a conta dos petistas. O histerismo dos grão-tucanos a cada referência ao caixa mineiro já pressupunha a necessidade de rigor sobre o presidente do partido. O que vale para o PT, afinal, vale também para o PSDB.