O Globo, n. 32592, 31/10/2022. Política, p. 21

Em busca da relevância perdida

Janaína Figueiredo


As imagens de Jair Bolsonaro em campanha na viagem a Londres para acompanhar o funeral da Rainha Elizabeth II chocaram a comunidade internacional. Talvez tanto como em agosto de 2019, quando o mundo ainda tentava entender quem era o presidente brasileiro e descobriu que ele era capaz de um comentário misógino sobre uma primeira-dama estrangeira (a francesa Brigitte Macron). Episódios catastróficos para a imagem do país se somaram a políticas equivocadas em temas como a Amazônia. O alinhamento automático com Donald Trump, mesmo após o ataque ao Capitólio, e a opção, nos primeiros dois anos de governo, por uma política externa ideológica, causaram enorme dano. A gestão do chanceler Carlos França devolveu certa normalidade à diplomacia brasileira, mas, como admitiu Valdemar Costa Neto, presidente do PL, a embaixadores estrangeiros, “Bolsonaro é incontrolável”.

Nesse quadro, o primeiro desafio do terceiro mandato de Lula é reposicionar o Brasil num lugar de relevância internacional. Não basta ganhar, é preciso ter iniciativa. O novo presidente aposta numa agenda positiva num mundo em guerra e apavorado com a possibilidade de um conflito nuclear. Combate à fome, paz e combate às mudanças climáticas serão temas do cartão de visitas do novo governo, que almeja ser um ator global influente. Governos estrangeiros esperam resultados, gestos, posicionamentos. Pressões serão grandes.

O ex-chanceler Celso Amorim — que pode comandar o Itamaraty ou assumir uma assessoria especial— se diz ciente de que o mundo ficou extremamente mais complexo. Nos dois primeiros governos de Lula, a China era um país em desenvolvimento. Hoje, é uma potência que rivaliza com os EUA. O Brasil tem a ganhar se souber se colocar equidistante. A Rússia, parceiro estratégico do qual Lula não pretende abrir mão, é vista como ameaça global. A Europa sofre impactos da guerra. Nos EUA, um dos grandes partidos políticos considera ilegítimo o atual governo, que deve sofrer um revés nas eleições de meio período.

A América Latina está fragmentada, com menos democracia, mais instabilidade e desigualdade. Lula deve encontrar uma forma de se relacionar com Venezuela e Nicarágua, sócios no passado acusados hoje de violar direitos humanos. Uma posição clara e contundente é esperada. Por outro lado, os escândalos de corrupção nos governos do PT ainda ecoam em países latino-americanos e virar essa página é fundamental para recuperar a confiança e apostar numa liderança regional.

Lula deve decidir se dá continuidade à adesão do Brasil à OCDE, podendo optar por um banho-maria para evitar sobressaltos. O acordo entre Mercosul e União Europeia será revisado — talvez engavetado —, o que trará tensões com europeus e vizinhos. O Mercosul está mergulhado em crises, e a ideia de reativar a Unasul encontrará resistências entre países com governos de direita.

Em muitas frentes, o governo caminhará num campo minado, e cada passo, por menor que seja, terá implicações. Aprender com erros do passado é essencial, e priorizar interesses do país acima de qualquer afinidade política e ideológica será chave.