Valor Econômico, v. 20, n. 4966, 24/03/2020. Empresas, p. B1

Governo estuda suspender reajuste tarifário da energia

Rodrigo Polito
Letícia Fucuchima


O comitê setorial de crise, instituído pelo Ministério de Minas e Energia, com participação de autoridades e agentes do setor elétrico, estuda a possibilidade de suspender temporariamente a aplicação de reajustes tarifários das distribuidoras e a aplicação de descontos nas contas de luz dos clientes residenciais, apurou o Valor com fontes próximas do assunto. As duas propostas foram apresentadas em reunião do comitê realizada ontem. Porém, ainda não há definição sobre o que de fato será implementado.

Criado na última semana, o comitê trabalha na elaboração de um pacote emergencial para garantir a sustentabilidade econômica e financei setor elétrico diante da crise provocada pelo agravamento do surto do coronavírus no país. O Valor apurou que a ideia é lançar o pacote em duas frentes. A primeira seria de curtíssimo prazo, com algumas flexibilizações pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para impedir que as elétricas sejam penalizadas por adotar práticas alinhadas às recomendações do Ministério da Saúde, como o fechamento de agências de atendimento.

Já a segunda frente deve endereçar os efeitos de médio prazo ao setor elétrico. Como ainda não está claro o tamanho do impacto financeiro às companhias, esse conjunto de medidas pode demorar um pouco mais para ser lançado, avaliam fontes.

A expectativa de integrantes do comitê é de que uma resolução da Aneel

Já a segunda frente deve endereçar os efeitos de médio prazo ao setor elétrico. Como ainda não está claro o tamanho do impacto financeiro às companhias, esse conjunto de medidas pode demorar um pouco mais para ser lançado, avaliam fontes.

A expectativa de integrantes do comitê é de que uma resolução da Aneel sobre o tema seja publicada até o fim d

As ações em estudo estão centradas no segmento de distribuição, mais exposto à crise. No mercado, a avaliação é de que as distribuidoras podem enfrentar uma sobrecontratação, dada a expectativa de redução do consumo de energia. Além disso, com a piora da renda e da capacidade de pagamento da população, também se espera aumento temporário da inadimplência.

No caso dos reajustes tarifários das distribuidoras, a ideia é que os cálculos sejam processados e homologados pela Aneel, mas tenham a sua aplicação postergada. As correções nas tarifas dependeriam de despacho do regulador sem prazo definido.

Com relação aos descontos para a classe residencial, eles poderiam ser feitos por três meses, de acordo com a faixa de consumo do cliente. A medida dependeria de aporte do Tesouro.

Também é estudada a suspensão da aplicação de bandeiras tarifárias até junho de 2020. A medida, porém, pode ter pouco efeito, dado que existe a possibilidade de as bandeiras permanecerem verde (sem custo adicional) ao longo do ano, devido à previsão de queda drástica do consumo de energia no país.

Outro ponto discutido é a aprovação de um empréstimo do BNDES para a Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE), para repasses diretos às distribuidoras, a fim de blindar o restante da cadeia de energia elétrica dos efeitos mais danosos da crise gerada pela pandemia.

Analisa-se ainda suspender a obrigatoriedade de entrega da fatura impressa no endereço das unidades consumidoras - no lugar, seriam enviadas faturas eletrônicas. A distribuidora só poderia cortar o fornecimento por inadimplência nos casos em que o consumidor já tivesse efetuado um primeiro pagamento de fatura recebida eletronicamente.

O pacote emergencial nasce de um esforço coordenado do setor, após o surgimento de iniciativas estaduais e municipais com propostas de suspensão do pagamento da conta de luz ou proibição do corte do fornecimento por inadimplência. Na semana passada, a Abradee (associação das distribuidoras) chegou a questionar medidas nesse sentido, por entender que elas poderiam causar “inadimplência generalizada” no setor e só poderiam ser implementadas após um amplo debate.

De acordo com o presidente da Abradee, Marcos Madureira, o comitê setorial de crise tem priorizado ações para garantir o atendimento aos consumidores, mas já começou a “olhar para o futuro” e pensar também nos impactos de médio prazo.

O presidente da comissão de energia do conselho federal da OAB, Gustavo de Marchi, observa que o Brasil possui particularidades, como a alta informalidade na economia, que exigem do governo e da Aneel soluções mais sofisticadas e criativas. “Algumas medidas cogitadas, como a postergação de cobranças de faturas, poderão gerar efeitos nefastos para a sobrevivência das concessionárias, se não estiverem atreladas a mecanismos de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro”, avalia.

Para Fabiana Vidigal, sócia do Carvalho, Machado e Timm Advogados, também poderiam ser consideradas medidas tributárias para compensar a redução de receitas que geradoras, transmissoras e distribuidoras, de energia e de combustíveis, poderão sofrer, mas terão que continuar a prestar os serviços de maneira segura e ambientalmente responsável no período.

A Abrace, entidade que representa grandes consumidores industriais de energia, aponta que não se pode perder de vista os efeitos de longo prazo dessas medidas. A indústria sentirá a pressão financeira da crise em seus contratos de energia e, dependendo das ações tomadas, a situação pode se tornar “insustentável”, diz a associação.