Valor Econômico, v. 20, n. 4966, 24/03/2020. Finanças, p. C1

BC injeta R$ 1,2 trilhão em liquidez no sistema bancário

Estevão Taiar
Alex Ribeiro
Mariana Ribeiro


O Banco Central (BC) anunciou uma nova rodada de medidas que eleva a R$ 1,216 trilhão o volume de liquidez injetada no sistema bancário e libera R$ 102 bilhões em requerimentos de capitais das instituições financeiras para combater os efeitos da crise do coronavírus. O pacote busca manter o fluxo de crédito no sistema bancário, dar suporte ao mercado de títulos privados e garantir liquidez aos fundos de investimentos.

“Estamos obviamente dispostos a implantar novas medidas”, disse o presidente do BC, Roberto Campos Neto. “O arsenal que temos hoje é muito grande para combater qualquer tipo de crise.”

Como proporção do Produto Interno Bruto (PIB), o pacote representa quase cinco vezes o que foi implantado na crise financeira de 2008. Segundo o BC, o objetivo é não somente assegurar a estabilidade financeira e cambial, mas “neste momento, particularmente, apoiar a economia”. As novas medidas, que incluem outra rodada de liberação de compulsórios e linhas de empréstimos de liquidez aos bancos, representam 16,7% do PIB. Em 2008, a autoridade monetária movimentou R$ 117 bilhões, ou 3,5% do PIB na época.

O BC liberou mais R$ 68 bilhões em compulsórios sobre depósitos a prazo, que se somam a outros R$ 49 bilhões que haviam sido injetados no sistema bancário na semana passada. Paralelamente, o BC havia liberado mais R$ 89 bilhões com a flexibilização das regras prudenciais de liquidez de Basileia 3, que obrigam os bancos a manter ativos líquidos nos balanços.

O Conselho Monetário Nacional (CMN) também anunciou a criação de uma linha de até R$ 91 bilhões para o BC conceder empréstimos aos bancos com garantia de debêntures. O objetivo é dar suporte ao mercado de títulos privados, que cresceu fortemente nos últimos anos com o ambiente de juros baixos e redução do crédito direcionado. Fundos de investimento estão encontrando dificuldades para vender esses papéis no mercado secundário. A expectativa é que os bancos atuem provendo liquidez e ajudando a formar parâmetros de preços.

Outra frente para dar liquidez à indústria de fundos foi o aumento do limite para recompra, pelos bancos, de letras financeiras (LFs) de emissão própria, de 5% para 20%. Esses papéis são emitidos por bancos com lastro em suas carteiras de crédito e, em grande medida, estão com os fundos. A ideia é permitir que bancos deem saída para os fundos nesses papéis.

Além disso, foi recriado o sistema especial de seguro depósito para bancos pequenos e médios, garantindo que essas instituições mantenham fontes de captação e a oferta de crédito nos segmentos em que atuam. Essas instituições terão autorização para a captação de depósito a prazo com garantia especial (DPGE1) do Fundo Garantidor de Crédito (FGC), com valor mínimo de R$ 1 milhão e máximo de R$ 10 milhões. Também foi flexibilizado o direcionamento obrigatório de captações por meio das Letras de Crédito do Agronegócio (LCA).

A mais potente das medidas, entretanto, ainda está para entrar em vigor: o empréstimo com lastro em letras financeiras garantidas por operações de crédito, com um potencial de liberação de liquidez de R$ 670 bilhões. “O banco tem uma carteira de crédito. Ele vai juntar essa carteira de crédito, emitir uma letra financeira em cima dessa carteira, e o Banco Central vai então emprestar dinheiro para esse banco tomando essa letra financeira como garantia”, disse Campos.

Uma vertente do pacote foi a liberação de capital para os bancos. O sistema terá uma folga adicional de R$ 46 bilhões com a não dedução no capital dos efeitos tributários decorrente de proteção de investimentos em participações no exterior. Na semana passada, o BC já havia reduzido uma das medidas de capital adicional exigido em Basileia 3, liberando R$ 56 bilhões. Essa folga de capital, nos cálculos do BC, permite expandir o crédito em R$ 1,157 trilhão.

Na avaliação do BC, a necessidade de crédito que as empresas já mostram, em função da crise, impedirá simplesmente parados no caixa dos bancos. “Não há sinal de empoçamento no sistema bancário neste momento. O que de fato acontece e tem acontecido desde o início da crise e com toda a incerteza que ela gerou é uma demanda [das empresas] por liquidez crescendo muito rapidamente”, disse o diretor de política monetária, Bruno Serra Fernandes. “Estamos sinalizando que haverá liquidez para todo mundo para atender essa demanda mais forte. Assim o sistema bancário terá conforto para emprestar.”

O BC também tem “medidas em elaboração” em duas outras frentes. “Podemos fazer novas liberações de compulsórios”, disse Campos. Além disso, a autoridade monetária estuda como fazer um direcionamento para que pequenas e médias empresas tenham o acesso necessário ao crédito.