Valor Econômico, v. 20, n. 4966, 24/03/2020. Finanças, p. C1

Medida inunda mercado com dinheiro para mover crédito

Alex Ribeiro


O Banco Central (BC) aposta que o sistema financeiro brasileiro será capaz de fazer com que a liquidez injetada pelo inédito pacote de R$ 1,216 trilhão chegue ao setor real da economia.

O diagnóstico feito pelo presidente do BC, Roberto Campos Neto, é que preocupações com a manutenção de altos índices de liquidez e em preservar uma boa margem de capital estão afetando as taxas cobradas pelos bancos aos tomadores finais de crédito.

Esse receio é hoje a principal barreira para que os empréstimos cheguem a empresas e famílias, superando eventuais preocupações com o risco de crédito e o custo básico do dinheiro determinado pela taxa Selic.

A crise pegou o sistema bancário em um bom momento, com excesso de capital e de liquidez. O índice de Basileia do sistema está em 17%. No requerimento de liquidez de Basileia, os ativos líquidos dos bancos correspondem a duas vezes e meia o fluxo de caixa estressado.

Ao contrário da crise financeira de 2008, quando os bancos pequenos e médios captavam com vencimentos no curto prazo, hoje eles estão com uma boa liquidez. Eles fizeram captações em prazos tão longos como dois anos, aproveitando o sistema de seguro depósito e o surgimento das plataformas de investimento.

Uma evidência de que os bancos pequenos e médios não foram afetados é que a liberação de compulsórios anunciada ontem foi igual para todo o sistema, sem um tratamento especial para os menores. A exceção foi a volta do esquema especial de seguro depósito para garantir que esses bancos continuem a emprestar daqui em diante.

A questão com que o BC procura lidar é que, em momentos de estresse, os bancos querem reforçar ainda mais os seus índices de capital e de liquidez, para se diferenciar no mercado como instituições mais sólidas. Com uma enorme injeção de recursos o BC sinaliza a todos que liquidez não será problema porque não faltará.

Os bancos podem, agora, manter índices de capital e liquidez exageradamente altos e, além disso, prover as necessidades dos clientes. Para se ter uma ideia do poder de fogo das medidas: o BC anunciou um pacote de R$ 1,216 trilhão, e hoje a soma de todos os ativos líquidos no balanço dos bancos é de cerca de R$ 1 trilhão.

O R$ 1,216 trilhão equivale a 16,7% do Produto Interno Bruto (PIB). É uma munição pesada, considerando que o crédito bancário está em 47,5% do PIB, e pouco menos da metade está em bancos públicos. Os papéis privados em mercado equivalem a 11% do PIB.

O diagnóstico do Banco Central é que, nessa crise, as empresas e indivíduos estão querendo obter o máximo de liquidez possível para atravessar o período de incerteza.

Quando questionado se seria necessário o BC ou o Tesouro prover garantia de novos créditos, a autoridade monetária informou que confia que o sistema bancário, e não o governo, está mais capacidade para identificar os riscos de cada cliente para prover crédito e liquidez para todos.

Uma das apostas, ao que tudo indica, é que nesse momento essa injeção de liquidez tenha efeito mais forte nas taxas de juros e na disponibilidade de recursos do que uma eventual flexibilização monetária adicional - já que os dados recentes do crédito mostram que esses fatores têm sido preponderantes para afetar os spreads e a concessão de crédito.