O Globo, n. 32532, 01/09/2022. Economia, p. 13

Orçamento sem margem para promessas

Manoel Ventura
Jeniffer Gularte
Fernanda Trisotto
André Duchiade
Luísa Marzullo


O Ministério da Economia apresentou ontem sua proposta de Orçamento para 2023, mas sem margem para promessas de campanha. A grande maioria dos recursos — 93,7% — está engessada com o pagamento de despesas obrigatórias, como salários e aposentadorias. Sem margem de manobra, o documento que indica as previsões de dispêndios do governo no próximo ano não contempla as promessas do presidente Jair Bolsonaro nem deixa espaço para as ações apresentadas pelos demais candidatos ao Planalto. Para custear as proposições apresentadas, seria necessário efetuar mudanças profundas nas regras fiscais e na proposta orçamentária.

Para fechar as contas, o governo Bolsonaro deixou de fora promessas-chave de seu projeto de reeleição, como o piso de R$ 600 mensais para o Auxílio Brasil. De acordo com as regras atuais, esse patamar deixaria de valer no fim do ano, levando o benefício a um valor médio de R$ 405 em 2023. Também não consta no texto a correção da tabela do Imposto de Renda. O salário mínimo previsto, de R$ 1.302, marca o quarto ano seguido no país sem aumento real.

Rever o teto de gastos

E, ainda assim, o montante previsto para investimentos soma apenas R$ 20 bilhões, menos que o registrado em 2021 (R$ 23,9 bilhões) e no ano anterior. Para custear investimentos e a manutenção da máquina federal, sobram apenas 6,3% do Orçamento.

Mas foram preservados R$ 38,7 bilhões em emendas parlamentares, incluindo R$ 19,3 bilhões do chamado “orçamento secreto”.

Os temas centrais das promessas de campanha já apresentadas esbarram nas restrições de caixa e ficaram longe do Orçamento: manter o benefício mínimo mensal de R$ 600 do Auxílio Brasil custaria R$ 160 bilhões. A proposta orçamentária destina apenas R$ 106 bilhões e prevê valor médio de R$ 405. Para contemplar promessas que tentam ampliar ainda mais o benefício aos mais pobres, seria necessário dispor de mais recursos. Destinar mais R$ 150 para 10 milhões de crianças menores de 6 anos, como defende Luiz Inácio Lula da Silva, representaria mais R$ 18 bilhões em gastos. Elevar o benefício a R$ 1 mil, como promete Ciro Gomes, teria custo de R$379,7 bilhões, segundo a campanha.

Elevar o limite de isenção para o Imposto de Renda custaria R $21,5 bilhões na proposta de Lula (que prevê isenção para até R$5 mil) e R$ 32,6 bilhões na de Bolsonaro (isenção para renda de até seis salários mínimos).

Isso não significa que as propostas são inexequíveis, mas indica que quem assumir o Planalto em 2023 precisará de intensa negociação e revisão das bases fiscais para tirar suas ideias do papel. Essa constatação já é feita até por integrantes do governo.

— Não tem como continuar convivendo com 93%, 94%, 95% de despesas obrigatórias. A gente tem uma caixa que está ocupada, não tem como conviver com isso. A gente precisa rever a forma como o Orçamento é construído — afirma o secretário de Tesouro e Orçamento do Ministério da Economia, Esteves Colnago, que mais tarde abordou a necessidade de revisão de regras fiscais para o Auxílio Brasil.

— É preciso, sim, alterar o teto de gastos. A regra atual não comporta. A gente vai ter um presidente eleito. E ele vai ter as condições de sentar com os Poderes e fazer os ajustes que precisam ser feitos. A gente tem convicção de que essas alterações vão respeitar a responsabilidade fiscal.

Especialistas lembram que, além da falta de espaço no Orçamento, há pouca clareza nas promessas, o que dificulta análises orçamentárias aprofundadas no momento:

— Não dá para saber se as propostas são ou não consistentes, porque ninguém apresentou uma proposta fechada de como fazer. É difícil falar se a conta das propostas fecha, porque os programas ainda são muito genéricos — disse ao GLOBO Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF).

— Há certo consenso de que será muito difícil manter o teto de gastos como está, até porque o governo atual já o estourou. A pasta de dentes já saiu do tubo. Mas é importante ter uma política fiscal sustentável.

Social e sustentabilidade

Leandro Ferreira, presidente da Rede Brasileira de Renda Básica, afirma que está claro que o valor do Auxílio Brasil ficará em R$ 600 em 2023:

— O desenho das propostas deve variar, mas qualquer um que vencer acabará por seguir um aumento de gastos parecido com este.

Segundo Margarida Gutierrez, economista e professora do Coppead/UFRJ, “qualquer um vai precisar revisar o teto, mas depende do que vai pôr no lugar”:

— Você pode desenhar uma política que contemple o social, mas que contemple também a sustentabilidade da dívida pública. É preciso fazer isso, para não deixar o país emburacar.

Em caso de vitória, Lula teria como primeira prioridade viabilizar a manutenção dos R$ 600 do Auxílio Brasil, rebatizado para Novo Bolsa Família. Segundo integrantes da campanha, caberia à equipe de transição avaliar a situação fiscal do país e realizar um diagnóstico de todas as áreas do Estado. A campanha calcula que o valor do desajuste fiscal contratado pelo atual governo pode alcançar R$ 430 bilhões em 2023, o equivalente a mais de 4% do PIB, a depender do cenário econômico.

As campanhas de Jair Bolsonaro e Ciro Gomes não responderam ao pedido do GLOBO. O candidato do PDT, porém, indica que, para criar um programa de transferência de renda de R$ 1 mil mensais, a ideia seria obter recursos com a unificação do Auxílio Brasil, a aposentadoria rural, o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e a reforma tributária, o que daria maior dinamismo à economia.

Responsável pelo programa econômico de Simone Tebet (MDB), a economista Elena Landau diz que a peça orçamentária é irreal, o que torna mais nítida a necessidade de criar uma regra de transição na gestão fiscal, já que, para manter o Auxílio Brasil de R$ 600, será preciso flexibilizar mais o teto de gastos. Nessa regra, seria encaixado apenas o aumento de R$ 200 para o benefício e recursos para ciência e tecnologia, limitados a 1% do PIB. Isso seria feito paralelamente à apresentação de reformas estruturais.