O Globo, n. 32532, 01/09/2022. Economia, p. 14

Um governo disfuncional

Míriam Leitão


No Orçamento, o governo fez uma opção preferencial contra os pobres. O custo de manter em R$ 600 o valor do Auxílio Brasil é de R$ 50 bilhões. O de manter isenção de impostos à gasolina e outros combustíveis é de R$ 52 bilhões. O governo escolheu o subsídio ao combustível fóssil da classe média e dos ricos em vez de garantir os R$ 200 a mais dos brasileiros mais pobres. O não reajuste da tabela do Imposto de Renda na prática aumenta o imposto dos contribuintes de menor renda, mas os amigos das motociatas acabaram de ser contemplados na farra de isenções tributárias.

Esse Orçamento cheio de contradições é resultado de o Ministério da Economia estar hoje à serviço da reeleição. Já o Ministério da Defesa deu ontem o primeiro sinal de que pode recuar da insustentável posição que vem mantendo sobre as urnas eletrônicas. Houve um certo alívio no TSE, depois do segundo encontro entre o general Paulo Sérgio Nogueira e o ministro Alexandre de Moraes em uma semana. O mais importante da reunião de ontem foi o reconhecimento público da Defesa de que está correto o teste de integridade nas urnas na maneira como é feito há 20 anos.

No Judiciário, as fontes informam que as Forças Armadas querem distensionar o ambiente institucional, principalmente o Exército. Mas que Bolsonaro permanece uma incógnita. Pelo comunicado do TSE, “ficou reconhecido o êxito dos testes de verificação das urnas eletrônicas” que são realizados pela USP, Unicamp e UFPE, e a “manutenção da realização do teste de integridade que ocorre desde 2002”.

A parte final do comunicado parece ser uma concessão às Forças Armadas ao falar de um projeto piloto complementar para fazer testes, usando a biometria dos eleitores reais, em algumas urnas indicadas. Uma espécie de teste extra que as Forças Armadas sugeriram para fazer no dia da eleição. Nunca ficou claro como isso poderia ser realizado. O que eu ouvi é que na reunião ficou decidido que as áreas técnicas dos dois lados vão apresentar um piloto dessa ideia para se discutir a viabilidade

A eleição é no mês que vem e é inacreditável que estejamos vivendo esse tipo de ansiedade, e que o movimento de generais esteja assombrando a eleição realizada 37 anos após o fim da ditadura dos militares. Todas essas idas e vindas do Ministério da Defesa ao Tribunal Superior Eleitoral ocorre em função da crise inventada pelo presidente Bolsonaro. Está na hora de as Forças Armadas decidirem a quem servem. Se à nação brasileira ou ao presidente passageiro e circunstancial.

No Ministério da Economia são muitos os exemplos de que tudo que for preciso será feito para ajudar o presidente em sua campanha de reeleição. O Orçamento confirmou os recursos para o orçamento secreto e para a isenção de impostos federais sobre gasolina e outros combustíveis fósseis, porque o presidente faz questão de gasolina barata.

Na divulgação do Orçamento a equipe econômica diz que “envidará esforços” para conseguir os R$ 600, mas que não pôde incluir no Orçamento porque estouraria o teto de gastos. Ora, se achava que era insustentável, por que permitiu o aumento do valor apenas para o período eleitoral? O governo Bolsonaro, com a anuência da sua equipe econômica, faz um agrado à classe média em vez de manter a transferência de renda aos mais pobres e miseráveis.

A equipe econômica tem aceitado referendar os caprichos do presidente. Em março, o governo zerou Imposto de Importação sobre jet-ski, balões e dirigíveis. No mês passado, Bolsonaro anunciou um agrado para o “o pessoal que malha”, com o corte de impostos sobre suplementos alimentares, como whey protein e creatina. Deu um mimo também ao pessoal das motociatas com redução de impostos sobre “coletes e jaqueta infláveis para motociclistas”. E agradou a turma dos videogames. Tudo é feito sem critério, nem sentido de prioridade.

Bolsonaro vai concluindo o mandato que conquistou nas urnas — urnas das quais duvida — com um governo totalmente disfuncional. E o dia de ontem foi um exemplo disso. O Ministério da Defesa ensaiou um recuo de uma posição despropositada que manteve por tempo demais, e o Ministério da Economia apresentou um Orçamento desconjuntado. Bolsonaro não governou, e agora usa o governo para tentar se manter no poder.

Com Alvaro Gribel (de São Paulo)