O Globo, n. 32532, 01/09/2022. Rio, p. 27

Quatro anos depois, Museu Nacional está de ''cara nova”

Selma Schmidt


Na noite de 2 de setembro de 2018, um incêndio destruiu o prédio do Museu Nacional, 85% dos 20 milhões de itens do seu acervo e muito da História brasileira. A reconstrução do Palácio de São Cristóvão, que abriga o museu, na Quinta da Boa Vista, ainda deve se prolongar até 2026. Mas, depois das chamas, e, em seguida, de andaimes, telas e tapumes, o cenário começa a mudar. Quatro anos após a tragédia, a fachada amarela do principal bloco do complexo, com 31 esculturas no topo, será reinaugurada amanhã. A conclusão da primeira etapa das obras, que inclui a recuperação do jardim em frente, faz parte das comemorações do bicentenário da Independência do Brasil.

Também nesta sexta-feira serão inauguradas exposições fotográficas de esculturas, de memórias e de minerais já expostos na instituição, em tendas montadas no jardim. As imagens instaladas na fachada do prédio são réplicas: as obras originais, em mármore de carrara, que pesam entre 200 e 300 quilos, estão sendo restauradas e, futuramente, serão exibidas dentro do museu.

As obras de reconstrução da mais antiga instituição científica do país — celebrou 204 anos em 6 de junho — começaram em novembro de 2021. Antes, os serviços se limitaram a escoramento, instalação de telhado provisório, busca por relíquias sob os escombros e elaboração de projetos. Com verba pública curta, foi feita uma campanha para doações e parcerias. Os valores são administrados pela Associação Amigos do Museu Nacional.

O site do projeto Museu Nacional Vive informa que foram captados, até agora, R$ 244 milhões. Há mais de três mil pessoas físicas benfeitoras e 11 parceiros institucionais, a exemplo da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), do BNDES, do Bradesco e da Vale.

— Estamos trabalhando para que a sobras deslanchem— diz a reitora da UFRJ (a quem o museu é vinculado), Denise Pires de Carvalho.

'Quintal dos cariocas'

O chamado jardim-terraço, diante do palácio, foi revitalizado pela prefeitura, como parte da recuperação da Quinta da Boa Vista, onde estão sendo investidos R$ 14,6 milhões. Ali, a Secretaria municipal de Conservação reformou muro, balaustrada, postes de ferro, caminhos e vasos em argamassa e estuque. Nos canteiros, foram feitas a limpeza e a recomposição da vegetação.

— A Quinta da Boa Vista foi residência da Família Real e se tornou o quintal de todos os cariocas —destaca a secretária Anna Laura Secco.

Hoje assíduos frequentadores da Quinta da Boa Vista, a arquiteta Adhora Santos e o marido, o estatístico Iago Carvalho, ambos de 33 anos, moravam há pouco tempo em São Cristóvão e estavam viajando em lua de mel quando o Museu Nacional pegou fogo. Adhora chegou a visitá-lo, no passado, mas Iago ainda não.

—Tenho que me limitar a ver a fachada do palácio e o seu jardim frontal. Pelo visto, as obras vão demorar —diz ele.

O garçom cearense Francisco Fábio Alves é outro que vai ter esperar. Ele chegou ao Rio em março do ano passado e, quase todos os dias, corta a Quinta para ir de casa, em São Cristóvão, até o trabalho, no Maracanã:

— Quando olho para o museu, me dá curiosidade para saber o que tinha ali.

O museu tinha uma das mais completas coleções de fósseis de dinossauros do mundo, múmias egípcias e artefatos da arqueologia brasileira. Era especializado em estudos de paleontologia, antropologia, geologia, zoologia, arqueologia e etnologia biológica. Um núcleo de resgate formado por funcionários da instituição conseguiu achar, nos escombros, ossos de múmias egípcias e amuletos de metal que estavam nos sarcófagos. Um feito comemorado foi a localização de fragmentos de ossos do crânio de Luzia, fóssil humano mais antigo encontrado na América do Sul.

Rafael Mattoso, historiador, lembra que o Palácio São Cristóvão pertencia a Elias Antônio Lopes, comerciante português que enriqueceu como tráfico negreiro. Coma chegada da família real, em 1808, foi cedido “em troca de concessões, influência na Corte e títulos”.

— O Museu Nacional foi fundado por Dom João VI em 1818, com o nome de Museu Real, com acervos trazidos pela Corte. Só vai se chamar Museu Nacional em 1822, a partir da Independência. Inicialmente instalado no Campo de Santana, se mudou para o Palácio São Cristóvão em 1892 —acrescenta o historiador.

A reinauguração parcial ocorre em meio a uma auditoria feita pelo Tribunal de Contas da União (TCU), para investigar a lisura dos contratos celebrados após o incêndio e a capacidade de execução das empresas contratadas. A fiscalização, pedida por deputados federais, começou em abril e tem prazo até março de 2023. Outro processo em andamento no TCU é motivado por representação do Ministério Público do tribunal “acerca de supostas irregularidades administrativas envolvendo a recuperação do museu.”

Por e-mail, a diretoria da Associação de Amigos do Museu Nacional “reafirma seu firme compromisso com uma gestão de plena transparência e repudia toda e qualquer insinuação relacionada à seriedade com que conduz os processos relacionados à reconstrução do Paço de São Cristóvão e às demais atividades do Museu Nacional”.