Valor Econômico, v. 20, n. 4966, 24/03/2020. Finanças, p. C2
Copom reforça sinal de corte de juros
Victor Rezende
Lucas Hirata
Os sinais cada vez mais desafiadores na economia global diante dos impactos do novo coronavírus foram contemplados na ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, deixando a sensação entre os agentes financeiros de que a autoridade monetária deverá efetuar reduções adicionais na Selic.
Adiantada em um dia para esta segunda-feira, a ata do Copom revelou um tom mais pessimista do colegiado com a desaceleração econômica, ao dizer que o novo coronavírus terá um efeito contracionista “extremamente significativo” na atividade global, além de ressaltar que as medidas fiscais e monetárias adotadas ao redor do globo devem atenuar “apenas uma pequena parcela desses efeitos”. O cenário, de fato, se mostra mais adverso para a economia global. O Instituto Internacional de Finanças (IIF), que reúne os maiores bancos do mundo, passou a projetar uma retração de 1,5% no mundo para este ano.
Por aqui, é justamente o cenário de atividade mais fraca que deve levar o Copom a efetuar novos cortes nos juros. “Acreditamos que o BC está inclinado a intensificar suas ações à medida que a crise se agrava, por meio da política monetária convencional e de medidas não convencionais”, escrevem os economistas Cassiana Fernandez e Vinicius Moreira, do J.P. Morgan, que projetam a Selic em 3,25% na reunião de maio do Copom ou até mesmo antes.
Para eles, os dados recentes sobre a disseminação do novo coronavírus no Brasil e as medidas de contenção adotadas durante o fim de semana sugerem um risco de queda adicional da atividade. Atualmente, o J.P. Morgan projeta que o PIB brasileiro terá contração de 1% neste ano. “Por isso, levar a Selic a 3,25% se justificaria”.
Quem também não se surpreenderia com uma possível redução emergencial da Selic é a economista-chefe da Azimut Brasil Wealth Management, Helena Veronese. No entanto, ela pondera que, dado o perfil mais conservador da autoridade monetária, o Copom só faria uma atuação extraordinária no caso de uma deterioração mais grave do
Quem também não se surpreenderia com uma possível redução emergencial da Selic é a economista-chefe da Azimut Brasil Wealth Management, Helena Veronese. No entanto, ela pondera que, dado o perfil mais conservador da autoridade monetária, o Copom só faria uma atuação extraordinária no caso de uma deterioração mais grave do cenário.
Ela afirma ainda que um afrouxamento monetário e medidas de liquidez, que tem sido anunciadas pelo Banco Central, são complementares para enfrentar os efeitos da crise atual. “É claro que as medidas em si não resolvem o problema, mas podem ajudar”, diz.
A ata revelou que, na reunião do Copom no início deste mês, o colegiado discutiu reduzir a Selic além dos atuais 3,75%, mas considerou que um corte mais duro poderia gerar efeitos contraproducentes, com um aperto das condições financeiras. A inclinação da curva de juros, por exemplo, tem se mostrado cada vez maior, diante da abertura na diferença entre as de juros de curto e as de longo prazo. Ontem, o spread entre as taxas dos DIs para janeiro de 2021 e de 2029 ficou em 6,09 pontos percentuais. Há algumas semanas, essa diferença era inferior a 3 pontos.
Um dos fatores que deixou o juro longo em alta forte ontem, além do componente externo, foi o fato de o Copom ter citado a frustra continuidade das reformas e ter apontado que possíveis alterações no processo de ajuste das contas públicas podem ameaçar a queda da taxa de juros estrutural.
O economista-chefe da Western Asset, Adauto Lima, lembra que “ao mesmo tempo que o lado fiscal é importante para determinar o juro neutro, a taxa estrutural global também é e ela voltou a cair”. Ele nota, porém, que existe um temor relacionado à questão fiscal e afirma que precisa ser deixado claro que as medidas tomadas agora são emergenciais. “Se isso não ficar claro, você realmente torna novos cortes na Selic contraproducentes”, diz o economista da Western, que também trabalha com a Selic em níveis mais baixos.
O economista-chefe da Daycoval Asset, Rafael Cardoso, avalia que as restrições a novos cortes nos juros devem ser superadas nas próximas semanas. Para Cardoso, o BC sinalizou que não deseja reduzir mais a Selic, “mas terá de cortar mais uma vez, ao menos” por meio de uma redução de 0,25 ponto ou de 0,50 ponto, com chances maiores para um corte mais agressivo no cenário de hoje. “Caso a preocupação seja com o câmbio, o instrumento de atuação não são os juros. Caso seja com a parte longa da curva, temos exemplos internacionais de como lidar”, acrescenta o profissional, ao lembrar que outros países fazem compra de ativos, troca de títulos públicos ou colocam metas para juro longo para amenizar a pressão. Ainda assim, ele não acredita que o BC agirá desta forma.
O economista-chefe da Quantitas, Ivo Chermont, tem visão semelhante ao apontar que o cenário se mostra bastante desafiador para a economia. A gestora projeta um PIB de -0,7% no Brasil este ano, mas coloca um viés de baixa em sua estimativa. Para Chermont, o BC se verá obrigado a reduzir novamente os juros neste ano e efetuará, em seu cenário base, duas reduções adicionais de 0,50 ponto, levando a Selic a 2,75%. Quedas ainda mais agressivas, no entanto, não são descartadas pelo economista, que vê risco da Selic ir abaixo de 2% caso o PIB apresente uma retração de 2% neste ano, “o que é muito factível”.