O Globo, n. 32533, 02/09/2022. Opinião, p. 2

Manutenção de emendas do relator deteriora Orçamento de 2023



É um absurdo o presidente Jair Bolsonaro ter mantido as emendas do relator, conhecidas pela sigla RP9, na proposta de Orçamento da União de 2023 enviada na quarta-feira ao Congresso. Pior foi ter repetido o erro de prever para esse fim mais do que a soma das demais emendas. Bolsonaro reservou R$ 38,7 bilhões aos parlamentares, dos quais R$ 19,4 bilhões abastecerão as emendas RP9, que deram origem ao famigerado orçamento secreto. São gastos destinados a fins paroquiais, feitos sem critério nem transparência, flanco aberto à corrupção.

A aberração das emendas do relator retirou do Executivo a capacidade de comandar as políticas públicas, como escreveu o colunista do GLOBO Merval Pereira. Quase R$ 20 bilhões do Orçamento vão parar nas mãos de deputados e senadores da base de apoio do governo para que gastem como bem entenderem, segundo tão somente os seus interesses políticos, quando não pecuniários.

O dinheiro não vai para os brasileiros que mais precisam. Recebem aqueles que moram no reduto eleitoral do congressista do governo agraciado. Na maior parte das vezes, o investimento vai na contramão de uma estratégia sensata para os estados, para as regiões, para o país. Não têm sido raras as denúncias e evidências de pura roubalheira, casos que ainda esperam apuração rigorosa.

Enfraquecido e preocupado com a possibilidade de perder o mandato por impeachment, Bolsonaro comprou o apoio do Centrão transferindo aos líderes do Congresso o controle sobre uma vultosa fatia do Orçamento. Tal decisão é a culminação de um problema antigo. No sistema político brasileiro, um presidencialismo multipartidário, quando quem está à frente do Executivo é ou fica fraco, o preço cobrado pelo Legislativo sobe.

Quando estava em situação de extrema vulnerabilidade, a presidente Dilma Rousseff atendeu a uma demanda histórica dos congressistas. Eles reclamavam do poder do governo de contingenciar suas emendas. Para liberar a execução, tinham de ir em romaria aos ministérios e quase implorar. Dilma abriu mão da discricionariedade na execução das emendas individuais. Não foi suficiente para que escapasse do impeachment, mas serviu para erodir o poder de barganha do Executivo. Para satisfazer a sanha dos congressistas, Bolsonaro teve de ir além. Abriu mão também da transparência e do controle sobre a execução.

Talvez a única boa notícia sobre as emendas do relator seja que o próximo presidente não é obrigado a mantê-las. O difícil será convencer os congressistas. Se perderem o orçamento secreto, muitos poderão partir para a retaliação. O principal adversário de Bolsonaro, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, também se mostrou um gerente sofrível de coalizões, como comprovaram os casos do mensalão e petrolão. Seja quem for o eleito em outubro, a questão continua à espera de uma solução que preserve a transparência e a qualidade do gasto público. Com quase R$ 20 bilhões em emendas do relator, ambas são impossíveis.