O Globo, n. 32534, 03/09/2022. Mundo, p. 21

Governo argentino crê que brasileiro agiu sozinho



O governo da Argentina suspeita que o brasileiro Fernando Andrés Sabag Montiel, residente no país e preso pela tentativa de assassinato da vice-presidente Cristina Kirchner na quinta feira, agiu sozinho, disseram ao GLOBO fontes oficiais. A arma usada pelo brasileiro, que a perícia constatou estar apta para realizar disparos, foi roubada de um amigo que teria morrido.

O último domicílio de Sabag Montiel no país, um conjugado em uma casa térrea num município da Grande Buenos Aires, foi vasculhado na madrugada de ontem. Lá, segundo relatório policial, foram encontradas caixas de munições marca Magtech, calibre 9 mm, que continham, no total, 100 balas. Também foram apreendidos um computador laptop marca HP e documentos pessoais do preso e de parentes.

Ele foi acusado de tentativa de homicídio qualificado e se negou a prestar depoimento na noite de ontem à juíza federal María Eugenia Capuchetti, que conduz o inquérito junto com o promotor federal Carlos Rívolo. A dupla que chefia os trabalhos foi à casa de Cristina pela manhã para colher o depoimento da vice-presidente, que falou por cerca de uma hora.

Segurança é investigada

Pessoas com quem o preso trocou mensagens no celular estão sendo chamadas para depor à Justiça, mas fontes no governo disseram acreditar que não houve cúmplices. A hipótese, contudo, ainda não foi descartada, e os investigadores apuram se Sabag Montiel tinha vínculos com grupos neonazistas. As testemunhas do crime também já começaram a depor, entre elas apoiadores da vice-presidente que estavam diante da sua casa no momento em que o agressor se aproximou de Cristina e tentou atirar em seu rosto. Até o início da tarde, cerca de 30 testemunhas falaram com a Justiça. Os guardas da Polícia Federal responsáveis pela segurança da vice também vão depor, e são investigados por supostamente não terem atuado da forma devida ou seguido os protocolos de segurança. Segundo especialistas ouvidos pela imprensa argentina, um erro foi não fazer um perímetro de isolamento, tática tradicional para evitar que agressores em potencial se aproximem de chefes de Estado.

O cordão exterior da Polícia Federal, com policiais uniformizados e à paisana, que tem como função detectar ameaças, também não funcionou da forma devida. Outro erro mais explícito veio após o ataque: os policiais não protegeram a vice ou se puseram em sua frente e, depois, erraram ao permitir que Cristina seguisse caminhando devagar entre as testemunhas, ao invés de evacuá-la rapidamente para um lugar seguro. Os investigadores creem que pode ter havido negligência por um excesso de confiança por parte da polícia. O governo, por sua vez, diz ter as mãos atadas para mudanças nos protocolos até que haja mais informações, disseram as fontes, mas o presidente Alberto Fernández alocou mais 20 agentes para proteger a vice, além dos cerca de 100 já escalados para ela e sua família.

Arma estava funcionando

Neste momento, o foco dos investigadores está nas imagens das câmeras de segurança na vizinhança da vice-presidente, no bairro de Recoleta, além do telefone celular de Sabag Montiel, um Samsung A13. Capuchetti e Rívolo estiveram ontem de manhã em Recoleta para interrogar pessoalmente a vice-presidente, antes de retornarem ao tribunal de Comodoro Py, de onde conduzem a investigação. Durante a manhã, o secretário de Justiça, Juan Martín Mena, e o chefe da segurança de Cristina, o policial federal Diego Carbone, estiveram em Comodoro Py. Mena ficou lá por mais de duas horas e teria conversado com Capuchetti sobre a investigação. Depois, acompanhou a vice-presidente durante seu depoimento. A perícia na arma usada na tentativa de magnicídio, uma pistola Bersa calibre 32, ainda não terminou, mas os investigadores já constataram que estava apta a efetuar disparos. Ela tinha cinco balas no carregador, mas nenhuma delas havia sido engatilhada na câmara, algo necessário para que o disparo aconteça. Não está claro se isso aconteceu porque Sabag Montiel era inexperiente no manuseio, se estava nervoso ou se foi proposital.

Também veio à tona que a arma foi roubada, supostamente de um amigo do preso que morreu. O agressor não figura nos registros de cidadãos aptos a usar armas de fogo na Argentina, e as autoridades creem que o armamento passou por várias mãos antes de chegar a Sabag Montiel. A pistola tem seu número de série parcialmente raspado, mas a sequência “250” permanece e, a partir dela, os investigadores esperam chegar à identidade do proprietário original. Segundo informações oficiais às quais O GLOBO teve acesso, Sabag Montiel alugava o conjugado há apenas oito meses e morava no local com uma namorada argentina, identificada como Brenda Elizabeth Uriarte, com quem vendia algodão doce. O brasileiro teria um apartamento herdado da mãe, que era argentina e morreu em 2017, mas o alugava a terceiros.

Chicote e vibradores

Detido logo após a tentativa de magnicídio, o brasileiro está agora na Superintendência de Investigações da Polícia Federal, na capital argentina. Depois de depor diante da Justiça, deve ser levado a uma prisão federal, e é considerado como um detido de “alto risco”, segundo o jornal Clarín. A princípio, será acompanhado pelo defensor público Juan Martín Hermida, com quem se encontrou ontem. Além das caixas de munição, a polícia encontrou na casa do acusado um ambiente bagunçado e sujo, com panelas sem lavar, lingerie feminina e objetos sexuais, incluindo vibradores e um chicote de couro preto.

Lá também foi achado um certificado de incapacidade, mas não está claro de qual tipo ou se sequer é autêntico. As autoridades esperam que a perícia ajude a obter mais informações sobre o estilo de vida do preso, seus costumes e como se relaciona com o mundo. Especialistas em crimes cibernéticos, por sua vez, fazem uma varredura nas redes sociais de Sabag Montiel para analisar suas publicações. (Colaborou Janaína Figueiredo)