O Globo, n. 32536, 05/09/2022. Opinião, p. 2

Governo transforma o ensino superior em terra arrasada



O último Censo da Educação Superior identificou queda no número de alunos matriculados nas universidades, de 1,3 milhão em 2019 para 1,2 milhão em 2020. Contribuiu para isso o trancamento de 270 mil matrículas. O enfrentamento da evasão nas universidades, num país que carece de profissionais qualificados, tem relação evidente com o corte nas bolsas de auxílio aos alunos carentes, não apenas dos cotistas, forçado pelo garrote orçamentário que o governo Jair Bolsonaro impôs às universidades federais. O tema foi abordado com destaque no VIII Fórum Nacional de Reitores e Dirigentes das Universidades Parceiras do Futura, canal ligado ao Grupo Globo que faz 25 anos.

Em 2020, no Censo universitário realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), do MEC, completou-se outra “década perdida” no ensino superior. A taxa anual média de crescimento foi de irrisório 0,3%, segundo a Fundação Getúlio Vargas. Na pandemia, a situação ficou ainda pior, devido à corrosão dos orçamentos familiares e à aceleração da inflação. A evasão do ensino superior está expressa também na queda no número de alunos que se formam: segundo o Censo, os diplomados nas universidades cresceram até atingir quase 157 mil estudantes em 2018, quando passaram a cair, até chegar a 118 mil em 2020.

O trancamento de 270 mil matrículas em 2020, mais que o dobro de 2019, tem como principal motivo as dificuldades econômicas — entre o trabalho e a faculdade, o estudante é forçado a largar a faculdade e buscar sustento para si e para a família. Mas não foi só isso. Com o desembarque em Brasília do governo Bolsonaro, com sua ideologia negacionista e anti-Ciência, tudo o que está relacionado à cultura e à educação foi deixado de lado. A “guerra cultural” atingiu o orçamento das universidades federais, enquanto tornava o MEC um ministério inoperante.

No período de dez anos entre 2011 e 2020, apenas 40%, em média, dos alunos que se matricularam em alguma faculdade concluíram o curso. As universidades privadas apresentaram o maior índice de formaturas (60%), seguidas das federais (54%) e das estaduais (49%). Mas as privadas, com exceção das católicas e de algumas outras, ficaram aquém das públicas em termos de qualidade de ensino. Conclusão: formam-se menos profissionais, e boa parte daqueles que se formam não supre a qualidade da mão de obra necessária ao país.

Diante desse cenário de dificuldades, em que a verba das universidades federais destinada a alunos socialmente vulneráveis está 16% menor que em 2019, reitores precisariam destinar mais recursos para bolsas aos alunos cotistas e demais necessitados.

Não é o que tem acontecido, como mostra o exemplo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ela destinou R$ 54,3 milhões em 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, para 19 tipos de auxílios aos alunos (alimentação, compra de material didático, entre outros fins). Neste ano, em virtude dos cortes feitos pelo governo, serão apenas R$ 48,2 milhões, 11,2% de queda em relação a 2019. Para evitar a evasão, deveria ocorrer o contrário. Além de desidratar o MEC, o bolsonarismo também esvazia as faculdades públicas, promovendo uma política de terra arrasada no ensino superior.