Título: 'Laranjas' depõem na Argentina
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 25/10/2005, País, p. A7

O esquema de lavagem de dinheiro de escritórios de advocacia no Brasil - mostrado ontem em reportagem do Jornal do Brasil - criou situações curiosas. Mulheres pobres, viúvas e desempregados no Uruguai são os ''laranjas'' contratados no exterior como donos de empresas off-shore para ocultar o patrimônio de centenas de empresas brasileiras. Agora, estes falsos ''sócios'' estão narrando seus dramas pessoais em depoimentos na Embaixada do Brasil, em Buenos Aires, na Argentina.

Um dos principais laranjas contratados no Uruguai pelo escritório Oliveira Neves (Olinec) é Hector Alejandro Gonzalez Peralta. Ele integra o quadro societário de 167 empresas off-shore no Uruguai. O laranja Jesuino Andrade Queiroz, apesar de ser sócio-gerente de empresas no Brasil, reside em Montevidéu e integra a sociedade de 61 empresas off-shore.

Um dos laranjas que foi à Embaixada da Argentina e prestou termo de entrevista à Polícia Federal é a viúva uruguaia Iara Virgínia Bermudez de Tallarico, de 47 anos. Ela trabalhava no posto de controle de entrada e saída em Chuí (RS), quando a Olinec a convidou para ser ''presidente'' de uma empresa, acordo pelo qual ela embolsaria US$ 1 mil. E ela virou presidente da Lemax Company e Luget River, duas off-shore.

Iara diz que começou a chorar numa das vezes que foi à Olinec para assinar documentos para abrir contas bancárias e procurações para um cidadão de nome alemão e nacionalidade boliviana, cujo nome ela não se recorda. Hoje, Iara diz que passa por momentos difíceis, pois está com mandado de prisão no Brasil. Ela se dispõe a vir ao Brasil para colaborar com a Justiça, mas não tem dinheiro para pagar advogado.

Outra laranja que foi à embaixada do Brasil na Argentina foi a divorciada uruguaia Nilda Raquel Pena Casanova, de 54 anos. A Olinec a procurou quando ela precisava de dinheiro para pagar despesas judiciais de suspensão de um leilão de sua casa, dívida contraída pelo ex-marido Hugo Lewy.

Nilda apresentou à Polícia Federal a lista de onze empresas off-shore em seu nome, que ajudaram a lavar dinheiro sujo de brasileiros: Davgar, Jewkes, Laikensol, Clarid Company, Fexil International, Sea Trilco, Manriver Corporation, Urufex Trade, Novitak Holding, Naila Holding e Orchid.

Hoje, Nilda também não pode cruzar a fronteira, pois tem mandado de prisão no Brasil, e também não tem condições financeiras pra contratar advogado.

Nilda é mãe de duas filhas menores de 18 anos e diz que seu dinheiro só dá para sobreviver. Se realmente fosse dona de todos os negócios atribuídos a ela, Nilda seria muito rica no Brasil. A Novitak está ligada à empresa Athenas Trading, usada por Marcos Valério Fernandes de Souza para distribuir dinheiro parte do do mensalão. A Clarid Company é uma off-shore investigada por pertencer à Grafisa - Gráfica Industrial, do Ceará.

A força-tarefa que investiga o esquema de lavagem de dinheiro já tem os nomes de 300 empresas off-shores uruguaias usadas por grandes grupos econômicos do Brasil para esconder patrimônio e fazer remessas internacionais, a maioria fictícias. O investimento externo no Brasil, como mostrou a reportagem de ontem, é na verdade dinheiro de empresas brasileiras.

Um dos próximos passos da investigação é descobrir a origem real do dinheiro que muitos grupos econômicos estão ''internalizando'' oficialmente no Brasil. A suspeita é que parte deste dinheiro tenha passado pelas mãos do crime organizado. As off-shore são usadas em vários paraísos fiscais para esconder dinheiro do tráfico de drogas, do contrabando e do comércio ilegal de armas. (H.M.)