Correio Braziliense, n. 21812, 05/11/2022. Política, p. 2

Nem tão simples assim



Na Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL) defende que os parlamentares possuem maior conhecimento dos rincões do Brasil, por isso, teriam propriedade para realizar a destinação dos recursos. Por outro lado, o governo eleito aponta que a falta de controle sobre as verbas pode inviabilizar o orçamento, prejudicando diversas áreas por falta de dinheiro disponível.

A possível perda de controle sobre o Orçamento e um revés na Suprema Corte podem esvaziar o poder de Arthur Lira. Com o orçamento secreto, o presidente da Câmara teve nas mãos boa parte dos deputados, especialmente a bancada bolsonarista. Sem ele, Lira volta ao patamar de “simples presidente da Casa”, mas sem os instrumentos necessários para manter sob sua rédea os parlamentares.

Em parte, uma decisão deste porte seria importante para o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva, pois deixaria de depender de Lira para a aprovação de projetos importantes ao início de sua gestão e tomaria o controle do orçamento. Por outro lado, sem o controle absolutista do ex-aliado de Bolsonaro, Lula pode ter ainda mais trabalho para negociar com o novo Congresso que assume em 2023 e, consequentemente, com a grande bancada de oposição que terá pela frente.

Pensando nas duas possibilidades, durante as últimas semanas, Lula tem se dedicado pessoalmente a conversar com congressistas e líderes partidários, além de se mostrar aberto a apoiar a reeleição dos atuais presidentes da Câmara e do Senado. O presidente eleito espera que sua base no parlamento tenha membros do centrão, que há pouco mais de um mês faziam parte do grupo de Bolsonaro.

Para isso, Lula desenha seu ministério com espaços para aliados de primeira hora e novos aliados, como fez o PT durante seus 13 anos de governo. No entanto, já deixou claro que irá esperar pela diplomação, marcada para 12 de dezembro, para anunciar os primeiros nomes dos novos inquilinos da Esplanada dos Ministérios.

Mais espaço

Para a doutora em ciência política pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) Graziella Testa, diferentemente do governo anterior, Lula receberá um Congresso mais homogêneo, com 19 partidos e podendo diminuir com as fusões, diferente das cerca de 30 siglas encontradas por Bolsonaro, em 2019.

“O ponto incomum — com e sem orçamento secreto — é a construção de uma coalizão. Nosso sistema é quase parlamentarista, onde se elege um presidente de um partido e o parlamento de outro. Sendo assim, como o presidente não tem maioria, ele precisará construí-la. Lula é mais participativo e costuma conversar com os partidos. Diferente do que foi feito por Bolsonaro, que preferiu negociar diretamente com os parlamentares”, ilustra a especialista.

Com menos partidos, as bancadas ficarão maiores e diminuirão a importância de Arthur Lira nas negociações, uma vez que o número de parlamentares por agremiação será maior. “Com menor fragmentação, os partidos ficarão mais empoderados e a importância do colégio de líderes aumentará. Os ‘ouvidos’ do presidente da Câmara (Lira) terão que estar mais atentos. Coisa que depende da situação”, diz.

Testa destaca que, também em contraponto ao governo de Jair Bolsonaro, os partidos que apoiam Lula possuem agendas programáticas. Sendo assim, ministérios mais importantes deverão ir para as mãos destes, ficando para os futuros apoios os de menor envergadura.

“Lula precisa entender em que momento ele está chegando e como terá que negociar com o Congresso. Acredito ser improvável que o julgamento do orçamento secreto seja finalizado antes do final do ano. É possível que ocorra um pedido de vista, ficando para o ano que vem uma definição”, completa.

Analistas apontam que um dos motivos de Lula não ter anunciado os nomes para seus ministérios tem relação com o julgamento no STF. Sem o orçamento secreto nas mãos de Lira, o pedágio para o presidente eleito pode ser maior, já que o poder de barganha nas votações volta para as mãos dos partidos.

Entretanto, a doutora pela FGV explica que, apesar de ser estranho o apoio petista à reeleição de Lira, o PT não teria tempo hábil para construir uma candidatura própria. “Abriu-se um espaço muito grande para Arthur Lira durante o último governo. Ele já se mostrou um político muito hábil, por isso, mesmo sem o orçamento secreto, conseguirá se adaptar e não baterá de frente com o futuro governo”, afirma Graziella Testa. (SA)