Valor Econômico, v. 20, n. 4967, 25/03/2020. Brasil, p. A2

Presidente do TST descarta enxurrada de processos no fim da crise do vírus

Isadora Peron
Beatriz Olivon 


A presidente do Tribunal Superior do Trabalho (TST), ministra Maria Cristina Peduzzi, afirmou que o atual momento de pandemia do coronavírus deixará uma “sequela” nas relações de trabalho, mas disse que não espera uma enxurrada de processos trabalhistas quando a crise chegar ao fim. Na sua avaliação, o governo acertou em revogar o dispositivo da Medida Provisória 927, que previa a suspensão dos contratos de trabalho por quatro meses sem que houvesse uma compensação definida.

Em entrevista ao Valor, a ministra afirmou que é tempo de união e que é preciso que as três partes envolvidas neste processo - trabalhadores, empresas e governo - atuem em conjunto para encontrar uma solução para o problema. “Eu confio muito na conciliação, no bom senso, na vontade de todos os partícipes de encontrar um denominador comum, que seja satisfatório para ambas as partes. Espero que, ao fim da pandemia, as partes estejam comemorando a vida, e estejam dispostas a reconstruir o país de mãos dadas. ”

A presidente do tribunal comparou o atual momento com os períodos pós-guerra. “Se nós nos valermos da história, nós podemos dizer hoje que temos a consciência de que vamos ter que reestruturar as nossas relações profissionais, econômicas, uma sequela ficará. Veja o que ocorreu nos pós-guerras. Espero que não haja tanta gravidade, mas penso que teremos uma reconstrução substancial na economia”, disse.

Segundo ela, apesar disso, não há por que se pensar, como consequência necessária, em um aumento no número de reclamações trabalhistas. “Se vai a juízo quando se tem um direito subjetivo desrespeitado, não podemos partir do pressuposto de que isso ocorrerá”, disse.

Na visão da ministra não há, até este momento, “antagonismo e confronto”, portanto, não haveria por que registrarmos um crescimento no número de ações.

Em relação à MP 927 editada pelo governo e alterada em menos de 24 horas, a presidente do TST defendeu o recuo do governo em relação à suspensão dos contratos de trabalho sem nenhuma contrapartida. “Alguma maneira deve estar sendo pensada para que se distribua essa responsabilidade de forma tripartite. Não pode apenas só o empregado colaborar. Não é só não trabalhar e não ganhar nada. Tem que haver participação do Estado e do empregador”, disse.

A ministra não entrou em detalhes sobre outros pontos do texto, considerando que pode ter que julgar a validade deles caso algum processo sobre o tema chegue ao tribunal. Mas ponderou que algumas alterações, como as relativas a férias, fazem sentido como exceções à regra neste momento peculiar.

Segundo ela, é prudente que se pense em alguma maneira de garantir uma remuneração, porque isso é questão de sobrevivência. "Acho que [a revogação de parte da MP] foi uma medida prudente e, certamente, os responsáveis pela edição da lei encontrarão a solução política que atenda a todos os atores”, disse.

A presidente do TST defendeu ainda que o governo precisa pensar na situação dos trabalhadores autônomos, como o pagamento de um seguro-desemprego enquanto durar a pandemia. “A situação dessas pessoas merece um estudo por parte das autoridades. Seria interessante estabelecer alguma forma de garantia, um seguro, que possa alcançar essa parcela da população”, afirmou. A MP 927 trata de emprego e, portanto, não se aplica aos trabalhadores informais.

Questionada se tinha mais sugestões que pudessem minimizar o impacto no mercado de trabalho, ela preferiu não se manifestar e disse que essa prerrogativa é do Congresso e do presidente da República.

Até agora, o TST não recebeu processos com demandas ligadas ao coronavírus, mas certamente isso acontecerá, avaliou. “Sem dúvida, o mais afetado, o grande reflexo dessa pandemia, é no mundo do trabalho, não tenho a menor dúvida. Hoje, ninguém vive sem trabalhar. ”