O Globo, n. 32536, 05/09/2022. Opinião, p. 3

Celebremos o 7 de Setembro

Randolfe Rodrigues


Há 200 anos, muito antes de sequer se imaginar a forma de difusão da informação como a conhecemos agora, panfletos impressos e manuscritos, sem muito requinte e com linguagem direta, circulavam em espaços públicos de Rio de Janeiro, São Paulo, Salvador e outros centros de efervescência política da época. Eram manifestações com linguagem política bem clara: a inquietação.

As pautas que levaram à emancipação brasileira, como observado no livro “Vozes do Brasil” — que reúne os “panfletos da Independência” inéditos repercutidos entre 1820 e 1824 —, eram bem diferentes das atuais. Contudo também é fato que a necessidade de expor questionamentos sobre a realidade moldou a jornada até a Independência.

São exemplos que mostram que as conquistas nacionais não são mérito somente das figuras retratadas como heroicas nas páginas dos livros de História.

Inquietações ampliaram as dimensões de campos antes restritos e criaram esferas públicas com debates sociais que faziam emergir as insatisfações do povo. E mudanças, quando retratam a necessidade de reafirmar direitos, são sempre bem-vindas.

Entretanto a História não se desenvolve em linha reta e contínua: a celebração do Bicentenário da Independência ocorre no momento de maior afirmação do fascismo na História do Brasil, com um movimento de massa em defesa do autoritarismo e ameaças abertas às instituições, à imprensa livre e às eleições.

O que seria do país se os debates públicos recuassem com a assinatura do tratado que reconheceu a Independência do Brasil, em 1825? Por mais natural que pareça ser o processo de revoltas por igualdade, as dúvidas sobre sua eclosão pairam quando se pensa na ofuscação dos ideais de justiça social.

As manifestações se moldam em diferentes quadros no decorrer da História, e o debate público deve permanecer vivo e em pauta em nome da coletividade. Deixá-lo nas mãos do autoritarismo é dar margem para a usurpação de símbolos e o desvirtuamento de lutas sociais.

Os manifestos lidos nos séculos XVIII e XIX, muitas vezes em voz alta para popularizar os questionamentos e dar alcance à exposição de ideias, devem ser levados em conta na celebração do Bicentenário da Independência do Brasil.

Uma comemoração necessária!

Compreender as mudanças no país nos ajuda a construir o presente. Se há inquietação, esta deve repercutir.

A História mostra que o medo é uma das maiores armas da intolerância. Entretanto também alerta que a coragem e a verdade são contra-ataques que fortalecem o bem-estar social e estimulam a busca pela paz. Celebremos o 7 de Setembro!