O Globo, n. 32536, 05/09/2022. Economia, p. 15

Piso suspenso

Luciana Casemiro
Eliane Oliveira


O ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu ontem o novo piso salarial nacional da enfermagem. A decisão dá prazo de 60 dias para entes públicos e privados da área da saúde esclarecerem o impacto financeiro, os riscos para empregabilidade no setor e eventual redução na qualidade dos serviços.

Entidades hospitalares, como a Confederação Nacional de Saúde (CNSaúde), a Associação Nacional dos Hospitais Privados (Anahp) e as santas casas, elogiaram a decisão de Barroso, assim como a Confederação Nacional dos Municípios (CNM). Mas houve críticas do Conselho Federal de Enfermagem (Confen) e de políticos, como a deputada Carmen Zanotto (Cidadania-SC), relatora da proposta, e o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), prometeu buscar uma solução.

A decisão do STF não analisa a legalidade da criação do novo piso da enfermagem. O ministro inclusive ressalta a importância de valorizar a categoria. O objetivo é estabelecer um prazo para encontrar uma solução sustentável — o argumento de entidades como a CNSaúde, que havia entrado com a ação direta de inconstitucionalidade (Adin) contra a lei sancionada há um mês, era que muitos hospitais quebrariam se fossem obrigados a pagar o novo piso.

O novo valor começaria a ser pago este mês. Na última quarta-feira, a Federação Brasileira de Hospitais orientou seus filiados a não adotarem o novo piso, já que, se a lei fosse posteriormente derrubada, o valor não poderia voltar ao original, pois a Constituição proíbe reduzir salários.

‘Não pode impor um piso’

A lei 14.434, sancionada em 4 de agosto, estipula que o piso salarial da categoria no país passa a ser de R$ 4.750 para enfermeiros, 70% desse valor para técnicos e 50% para auxiliares e parteiras.

Em sua decisão, Barroso afirma que é preciso haver uma avaliação prévia sobre o “impacto financeiro e orçamentário sobre estados e municípios e os riscos para sua solvabilidade”, bem como “sobre a empregabilidade no setor” e “sobre a prestação dos serviços de saúde”.

Mas o ministro fez questão de elogiar a categoria, lembrando o combate à pandemia, e ressalta que as instituições que puderem pagar desde já o piso podem fazê-lo. “As circunstâncias constitucionais e fiscais aqui apontadas não significam que o valor não seja justo eque as categorias beneficiadas não mereçam a remuneração mínima .”

— Vai acontecer agora o que deveria ter acontecido antes, dentro do Congresso Nacional. Voltamos ao tempo do bom senso — disse Antônio Britto, diretor executivo da Anahp.

Para André Silveira, sócio do escritório Sergio Bermudes, que atuou na causa pela Confederação das Santas Casas, a decisão de Barroso é um “marco na jurisprudência do STF”. Segundo ele, é preciso haver um estudo sobre o impacto financeiro-regulatório, tanto para o setor privado como para estados e municípios:

— A União não pode impor um piso de cima para baixo e quebrar os orçamentos dos hospitais públicos, privados e entidades não lucrativas. A prestação de saúde no país estava sob o risco de iminente colapso.

Para Breno Monteiro, presidente da CNSaúde, a decisão do STF é fundamental para dar tempo ao setor de buscar alternativas para o pagamento do novo piso, evitando demissões e corte de leitos:

— Quando existe uma disputa, parece que um lado ganha e outro perde, mas não é assim. É importante haver tempo para discussões, na tentativa de valorizar o profissional de uma maneira responsável que se busque a fonte de financiamento, a gradação ou o escalonamento de um piso salarial.

Proposta de desoneração

Em nota, o presidente da Confederação Nacional dos Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, destacou que a medida é fundamental para corrigir a situação atual. Ele ressaltou que, passados 31 dias desde a sanção da lei 14.434, que implementou o piso, o Congresso não resolveu qual será a fonte de custeio.

“Estimativas da CNM apontam que o piso deve gerar despesa de R$ 9,4 bilhões apenas aos cofres municipais”, diz o comunicado.

Segundo a CNM, a medida já vem acarretando desligamentos, o que reduzirá a cobertura de programas sociais. E alerta que pode haver redução de enfermeiros, assistentes e técnicos no SUS, “com grande e imensurável impacto à população”. Daniel Souza, conselheiro do Confen, afirmou que todos os entes que o ministro Barroso disse querer ouvir nos próximos 60 dias participaram do grupo de trabalho do Congresso para discutir o novo piso. — Vamos trabalhar para que essa decisão liminar seja suspensa. A retirada desse direito conquistado a duras penas, agora suspenso a partir de dados do setor privado, um dos segmentos da saúde que mais faturou na pandemia, não é justa. Lamentamos a decisão do STF — disse Souza, afirmando que muitos desses profissionais têm “salários miseráveis”.

A relatora da comissão especial que analisou a proposta do piso da enfermagem, deputada Carmen Zanotto, disse ao GLOBO ter recebido com tristeza a notícia da suspensão do piso. Ela afirmou ter certeza de que Barroso não vê inconstitucionalidade na matéria e informou que marcará uma audiência co mele para tratar do assunto:

— O texto veio do Senado, que não apontou fontes de financiamento.

Para Carmen, há vários caminhos para obter recursos. Ela mesma apresentou um projeto em dezembro coma desoneração da folha de pagamento de empresas do setor de saúde:

— Os grandes hospitais têm afolha desonerada, assim como as indústrias de calçados, confecções, entre outros. Por que não desonerar as empresas de saúde do setor privado? Por que não destinar parte dos royalties do petróleo, dos fundos especiais e do lucro das estatais, além de tantas outras fontes, para a saúde? E as desonerações que foram feitas pelo governo?

Nas redes sociais, o presidente da Câmara, Arthur Lira, disse discordar da decisão. “São profissionais que têm direito ao pisoe podem contar comigo para continuarmos na luta pela manutenção do que foi decidido em plenário.”

Também nas redes sociais, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), disse que o piso é “uma medida justa” para com profissionais que têm “remunerações absurdamente subestimadas”. E afirmou que tratará “imediatamente dos caminhos e das soluções para a efetivação do piso perante o STF.”