O Globo, n. 32537, 06/09/2022. Política, p. 4

Munição eleitoral

Mariana Muniz
Jussara Soares
Alice Cravo


A dois dias dos atos convocados pelo presidente Jair Bolsonarono 7 de Setembro, o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), suspendeu trechos de decretos que facilitavam o acesso a armas e munições no país. Ao justificar as medidas, Fachin citou o risco de violência política na campanha eleitoral deste ano. O armamento da população é uma das bandeiras eleitorais de Bolsonaro, que editou uma série de normas para facilitara aquisição dos equipamentos.

Entre outros pontos, o ministro do STF derrubou a regra que dispensava o interessado em adquirir uma arma de fogo de comprovar que realmente precisa dela. A norma estabelecia que, no ato da compra, bastava apresentar uma autodeclaração. Agora, volta a exigência de análise pela Polícia Federal, que tem o poder de negar o registro. Ele também suspendeu decreto que ampliou a quantidade de munição que atiradores desportivos poderiam adquirir ao longo do ano — 600 unidades, divididas entre diferentes calibres de armamentos. Em seu despacho, o magistrado não fixou um limite, mas disse ser preciso respeitar uma quantia que “garanta apenas o necessário à segurança dos cidadãos”.

O ministro é o relator de três ações — duas delas apresentadas pelo PSB e outra pelo PT — que questionam os decretos de Bolsonaro. O PSB argumentou, por exemplo, que os atos do presidente confrontam dispositivos do Estatuto do Desarmamento, lei aprovada em 2003, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Essas ações começaram a ser julgadas pelo plenário virtual do STF em 2021, mas a análise foi paralisada há quase um ano por um pedido de vista (mais tempo para análise) do ministro Nunes Marques — o primeiro indicado por Bolsonaro à Corte. Ao suspender trechos dos decretos, Fachin atendeu aos pedidos de forma liminar (temporária) sob o argumento de que a proximidade das eleições torna a medida urgente. “Passado mais de um ano e à luz dos recentes e lamentáveis episódios de violência política, cumpre conceder a cautelar a fim de resguardar o próprio objeto de deliberação desta Corte”, escreveu o ministro.

Acirramento dos ânimos

A decisão de Fachin foi recebida com críticas por aliados de Bolsonaro, que afirmam ver na medida “provocação” do Judiciário às vésperas dos atos de 7 de Setembro. No ano passado, as manifestações da data foram marcadas por ataques ao Supremo.

— É lamentável, porque isso atrapalha cada vez mais o relacionamento entre os Poderes. Consideramos que há uma interferência direta tanto no Executivo quanto em várias outras questões no Legislativo — disse o líder da bancada da bala, deputado Capitão Augusto (PL-SP), que é aliado do governo.

Em conversas reservadas, auxiliares do presidente afirmam que a decisão de Fachin tem o potencial de acirrar os ânimo seque dificilmente o presidente deixará de usar o episódio para atacar novamente a Corte. Os chamados CACs (caçadores, atiradores e colecionadores) são uma das bases eleitorais de Bolsonaro.

O deputado Eduardo Bolsonaro (PL- SP) convocou ontem ,em postagem no Twitter, donos e frequentadores de clubes de tiro, além de proprietários de armas de fogo, a se tornarem “voluntários do Bolsonaro”, na campanha pela reeleição do presidente.

No fim de semana, Bolsonaro já deu demonstrações de que suspendeu a trégua com a Corte ao criticar a operação autorizada pelo ministro Alexandre de Moraes, do STF, contra empresários bolsonaristas. Sem mencionar nomes, Bolsonaro falou que há “um vagabundo atrás da árvore ouvindo a nossa conversa” e “mais vagabundo é quem dá canetada”.

Na noite de ontem, Moraes foi autor de outro revés para o governo ao negar um pedido para divulgar propaganda sobre a “Semana Brasil”, que ocorre em razão do feriado da Independência e foi criada em 2019 para rivalizar coma “Black Friday”. O ministro entendeu que a veiculação da peça estatal não é urgente e não representa motivo para contornara proibição de propaganda institucional imposta pela Lei das Eleições.