Valor Econômico, v. 20, n. 4967, 25/03/2020. Brasil, p. A9

Ibre vê queda de 0,9% do PIB em 2020

Arícia Martins


Diante da enorme dificuldade em estabelecer premissas que balizem a evolução da economia brasileira em 2020, o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) construiu três cenários possíveis para o desempenho do Produto Interno Bruto (PIB) no período. O mais pessimista aponta retração de 2% este ano, e o mais otimista, relativa estabilidade, com alta de 0,1%. Entre os dois extremos, o Ibre adotou queda de 0,9% como novo cenário-base, mas ressalta que, em meio à volatilidade exacerbada, projetar o crescimento brasileiro deste ano se tornou uma “tarefa árdua”.

Na edição de março do Boletim Macro, antecipado ao Valor, a única estimativa para a atividade calibrada com maior nível de precisão é o comportamento do PIB no primeiro trimestre, que já sentiu os efeitos iniciais da pandemia do coronavírus. Pelos cálculos da equipe de conjuntura do Ibre, a economia ficou praticamente estagnada de janeiro a março, ao avançar 0,1% sobre os três meses anteriores, feitos os ajustes sazonais. O problema está em estimar o que vai acontecer nos três trimestres seguintes.

“Poucas vezes no passado houve um nível tão alto de incerteza, só comparável à apreensão com que a sociedade vê a crise de saúde pública se aprofundar. A velocidade com que o vírus se espalha, aqui e lá fora, é incomparavelmente maior que a capacidade de se produzirem indicadores de seus impactos sobre a economia”, afirmam os pesquisadores Armando Castelar e Silvia Matos na abertura do documento. Para eles, a crise provocada pela covid-19 é o maior desafio mundial desde a Segunda Guerra.

“Não existe limite inferior para a queda do PIB do Brasil este ano”, alerta Silvia, coordenadora técnica do boletim. A maior preocupação no momento, segundo ela, é qual será a magnitude e a duração da paralisação da atividade e, também, seus impactos sobre a economia brasileira, que não tem os mesmos mecanismos de proteção social de países desenvolvidos. “Temo efeitos mais permanentes nas economias locais. No Rio, por exemplo, cidade e Estado já não têm recursos e, dependendo do número de casos, a situação de convulsão social pode durar muito mais do que o ‘lockdown’ da atividade.”

Como, por ora, é impossível fazer qualquer projeção de duração das medidas de distanciamento social, Sivia e a pesquisadora Luana Miranda usaram como âncora nas três hipóteses para o PIB brasileiro deste ano a trajetória do Índice de Condições Financeiras (ICF). As variáveis financeiras de alta frequência que o compõem, como taxas de juros, taxa de câmbio e medidas de risco-país, são as únicas que já captam o impacto do vírus e o tamanho da incerteza adiante, destacam as economistas.

Segundo Silvia e Luana, as condições financeiras no Brasil, em nível favorável desde o segundo semestre de 2019, caminharam para a região de aperto a partir da última semana de fevereiro. Ao fim da primeira quinzena de março, observam elas, o ICF - que terá sua divulgação iniciada em breve pela FGV -, já estava em patamar comparável ao registrado no último trimestre de 2015, auge da última recessão.

A forte deterioração das condições financeiras deve ter impacto negativo maior no segundo trimestre, período em que, pelo cenário-base da entidade, o PIB deve recuar 3,3% em relação ao primeiro trimestre, na comparação dessazonalizada. Na hipótese mais pessimista, a retração é um pouco menor, de 2,8%, mas a retomada prevista para o segundo semestre é mais modesta.

O cenário otimista considera reação rápida do nível de atividade após junho, em formato de “V”, enquanto o cenário-base assume recuperação mais lenta, em “U”. Por fim, na hipótese mais pessimista, os efeitos negativos seriam sentidos até o fim do ano.

“O estresse nos mercados financeiros, somado ao risco considerável de muitas empresas falirem, ainda pode gerar não linearidades na recuperação econômica no Brasil e no mundo”, alertam as pesquisadoras.

No mercado de trabalho, o ano começou bem, mas os efeitos adversos do choque do coronavírus serão profundos nos próximos meses, avalia o pesquisador Daniel Duque. Após a revisão negativa para o desempenho do PIB, Duque passou a prever que a taxa média de desemprego ficará em 13% este ano, vindo de 11,9% em 2019. O número anterior para 2020 era de 11,3%, caso o crescimento econômico fosse de 2%.

De acordo com Duque, o impacto sobre a renda média do trabalho total do Brasil seria de queda de até mais de 3,5%, ao considerar o peso de 30% dos trabalhadores informais na massa de rendimentos do país.

Nas empresas, os indicadores prévios de confiança da FGV já captaram desdobramentos da crise. Em março, o Ibre incluiu quesitos especiais sobre a covid-19 nas sondagens. Segundo os pesquisadores Aloisio Campelo, Rodolpho Tobler e Viviane Seda, responsáveis pela seção de confiança do boletim, 39% das indústrias já registraram algum impacto na atividade nos primeiros 19 dias deste mês, percentual que é de 30,5% no comércio e de 27% nos serviços.

“Para os próximos meses, a expectativa é de piora desse quadro, e pelo menos metade das empresas esperam ter algum impacto ou continuar sendo impactadas”, destacam eles.