Valor Econômico, v. 20, n. 4967, 25/03/2020. Brasil, p. A11

Pesquisadores veem impacto imediato da medida

André Guilherme Vieira


A Medida Provisória (MP) assinada pelo presidente Jair Bolsonaro que permite que órgãos públicos deixem de responder pedidos feitos pela Lei de Acesso à Informação (LAI) durante a pandemia do coronavírus prejudica a execução de políticas públicas e evidencia o autoritarismo do chefe do Executivo. A avaliação é do pesquisador em integridade e transparência no setor público e doutorando em administração pública pela FGV, Fabiano Angélico. “Há um impacto imediato em nível técnico-operacional, porque pesquisadores, jornalistas e servidores públicos usam a LAI para ter acesso a dados fundamentais à execução de seu trabalho. É péssimo e afeta de imediato todas as políticas públicas”, afirma o pesquisador, que defende que a MP seja revogada.

“Apesar de o foco agora ser a saúde pública, todos os outros ministérios estão operativos, e o ministério da Economia certamente será impactado por essa medida. E há impacto imediato na prestação de contas públicas”, diz Angélico.

O especialista afirma que a medida provisória precisa ser derrubada pelo Congresso e que a sua publicação evidencia o viés autoritário de Bolsonaro e a falta de confiança do presidente na relação Estado-Sociedade. “Se aponta para uma situação de viés autoritário, de absoluta falta de confiança do presidente na relação entre Estado e sociedade.

Precisamos mais do que nunca de abertura para que possamos ter conhecimento do que o Estado está fazendo. Essa MP precisa ser revogada e o Congresso pode agir nesse caso”.

Bolsonaro assinou a MP 928 na noite de segunda-feira. No entanto, a medida prioriza as solicitações por LAI que tratem de ações para enfrentamento de emergência de saúde pública. A Lei de Acesso estabelece que todo órgão público deve responder em até 20 dias a todos os pedidos feitos por um cidadão que envolvam dados, documentos ou informações de caráter público. Esse prazo pode ser estendido por mais dez dias corridos, conforme a lei.

Ontem, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) divulgou nota afirmando que a Medida Provisória (MP) 928 foi editada pelo presidente Jair Bolsonaro “com o propósito específico de limitar o acesso a dados governamentais, sob o pretexto de proteger servidores públicos da pandemia de coronavírus”. Para a entidade, apesar da situação de calamidade, a MP não tem justificativa prática. “Entendemos a situação emergencial a que todos estamos submetidos, mas também é necessário alertar que essa medida não se justifica na prática, uma vez que a grande parte desses dados pode ser acessada pelos servidores por meios eletrônicos largamente estabelecidos e em funcionamento na administração pública.”

Também ontem, o Instituto Sou da Paz divulgou nota de repúdio à MP. “Somente com mais transparência, e não o contrário, será possível reforçar a informação compartilhada com a população de modo a evitar pânico, incentivar a cooperação e trazer confiança sobre as estratégias de enfrentamento dos governos frente à crise”, diz trecho do comunicado da entidade, que também pediu que a medida seja derrubada.