Valor Econômico, v.20, n. 4863, 22/10/2019. Brasil p.A3

 

TCU releva falhas no pré-sal para evitar crise

Parecer cita quadro fiscal nos Estados para justificar aval a novo contrato da cessão onerosa

Murillo Camarotto

O Tribunal de Contas da União (TCU) passou por cima de uma série de falhas detectadas na revisão do contrato de cessão onerosa para evitar que uma eventual frustração do leilão prejudicasse a situação fiscal do país. Em novo relatório obtido pelo Valor, técnicos do órgão argumentam que as perdas de um cancelamento do certame não compensariam os potenciais ganhos resultantes dos ajustes que seriam necessários.

“O presente caso configura-se situação diferenciada e não se considera oportuna a adoção de medidas que resultem em atraso na assinatura da revisão do contrato de cessão onerosa e/ou no leilão dos excedentes por diversas razões”, afirma o documento.

Entre as principais alegações, está a “grave situação” financeira de Estados e municípios, que receberão 30% dos R$ 106 bilhões previstos apenas com os bônus de assinatura. O relatório também cita “a urgente necessidade de investimentos e da ampliação da atividade econômica, para a geração de emprego e renda”.

Semana passada, o plenário do TCU deu aval à realização do leilão dos excedentes da cessão onerosa, do qual se espera uma arrecadação de R$ 628 bilhões para os cofres públicos em 35 anos. Amanhã, os ministros votam a revisão do contrato de cessão onerosa, em análise desde 2015. A tendência é de aprovação com ressalvas, seguindo recomendação da área técnica e do Ministério Público de Contas.

O parecer técnico aponta falhas graves na escolha dos parâmetros usados para o cálculo do valor final da revisão do contrato. Após mais de cinco anos de negociações, ficou definido que a União pagará US$ 9 bilhões à Petrobras. O montante se refere à atualização dos R$ 75 bilhões pagos pela estatal em 2010 pelo direito de explorar 5 bilhões de barris na área da cessão onerosa.

Por causa das discrepâncias entre os parâmetros adotados pela Petrobras e pela Agência Nacional do Petróleo (ANP), a definição do valor final da revisão se alongou por anos, mostrando valores completamente diferentes do que foi acordado ao final.

No início das discussões, a certificadora contratada pela Petrobras avaliou em US$ 37 bilhões o valor que a estatal teria a receber. Já a empresa contratada pela ANP entendia que a União deveria ser ressarcida em US$ 38 bilhões. Essas diferenças, segundo o TCU, foram causadas pelas falhas nos parâmetros econômicos e resultaram em um grande atraso no fechamento do acordo.

“O processo de revisão do contrato de cessão onerosa foi excessivamente lento para o alinhamento das premissas necessárias, levando à elaboração de laudos técnicos acentuadamente divergentes em determinadas questões, o que prejudicou sua comparabilidade, e onerou, em demasia, o processo decisório dos gestores”, diz o relatório.

Os auditores também apontaram uma inconsistência no cálculo dos custos estimados de produção nos quatro campos que vão a leilão. Foi identificada, por exemplo, uma superestimativa de US$ 1,6 bilhão somente nos custos com as plataformas de exploração que vão operar no campo de Búzios, o maior e mais importante da cessão onerosa.

O Ministério da Economia calcula que a não realização do leilão acarretaria em um prejuízo de US$ 5,4 bilhões por ano ao governo. Por causa disso, a apresentação de questionamentos mais severos, com consequente suspensão do certame, poderia tornar os ajustes desvantajosos.

“De sorte que, considerado também o ganho financeiro que a competitividade proporcionará ao leilão, não se vislumbra ajuste (ante os dados apresentados) possível na revisão do contrato de cessão onerosa que possa suplantar as perdas da não realização do leilão ou de eventual prejuízo à competitividade do certame”, diz o parecer.

Além da situação fiscal de Estados e municípios e da necessidade de investimentos, o tribunal cita no relatório técnico a conjuntura internacional favorável para a oferta de áreas para exploração e produção de petróleo, “que torna o Brasil o foco da atenção dos grandes players mundiais do setor, o que garante elevada atratividade ao leilão”.

 

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Compensação à Petrobras pode recuar US$ 6,3 bi

Estimativas da empresa de planejamento diferem das produzidas pela agência reguladora

Considerado primordial para a competitividade do leilão da cessão onerosa, o valor da compensação à Petrobras pode cair pelo menos US$ 6,3 bilhões (US$ 26 bilhões) em relação ao projetado inicialmente pela Agência Nacional do Petróleo (ANP).

O dado consta em um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), que se baseou em estimativas da Empresa de Pesquisa Energética (EPE). Segundo esse cenário, as empresas vencedoras do leilão teriam que pagar US$ 38,9 bilhões à Petrobras.

O valor é 14% inferior aos US$ 45,2 bilhões estimados pela ANP. A diferença está no cálculo do preço do barril de petróleo que será usado como referência para o pagamento das compensações.

Enquanto a ANP adotou uma cotação média de US$ 76,18 para todo o período dos contratos, a EPE considerou os preços ao longo do tempo e constatou que nos primeiros anos de exploração, quando grandes volumes serão extraídos, o barril estará bem abaixo do estimado pela agência reguladora.

“Como os valores previstos de preço de petróleo são inferiores a US$ 76,18, no período inicial e ultrapassam essa estimativa somente a partir de 2026, o presente estudo evidencia ainda mais a inadequação do valor do petróleo utilizado para cálculo da compensação”, diz o parecer.

O Ministério de Minas e Energia (MME) também tem sua projeção para as compensações, mas o número é mantido em sigilo. Uma fonte na pasta, entretanto, informou que o cenário “é ainda mais competitivo” do que o apresentado pela ANP, ou seja, o valor devido à estatal seria mais baixo.

A Petrobras deve ser ressarcida por duas razões. A primeira trata dos investimentos já realizados pela estatal nas áreas. A Petrobras ganhou em 2010 o direito de explorar a região e já fez pesados investimentos nos campos.

A estatal também terá que rever o ritmo do seu fluxo de caixa, que será reduzido pela entrada de novas empresas na região.

Apesar das estimativas feitas por ANP, EPE e MME, o valor final das compensações é desconhecido. Ele será definido mediante negociação direta entre a Petrobras e os novos sócios, ou seja, as empresas que vencerem o leilão.

O TCU ressalta, no entanto, que a livre negociação não significa que qualquer acordo será aceito. “A liberdade negocial reside na escolha entre premissas razoáveis e métodos, que devem ser obrigatoriamente embasados nas ciências econômicas, na estatística, em base de dados confiáveis e atualizados e em boas práticas do setor, cuja escolha resulta em valores de parâmetros e, por fim, em uma compensação justa à Petrobras”.

A compensação é considerada um fator-chave para o sucesso do leilão, já que as empresas interessadas em participar da disputa devem considerar esse desembolso em seu planejamento, além do pagamento dos bônus de assinatura do certame.

Durante análise do edital do leilão, técnicos do TCU chegaram a dizer que, a depender do formato, as compensações poderiam comprometer seriamente o nível de concorrência da disputa. Em alguns casos, como no campo de Búzios, o pagamento da compensação e do bônus de assinatura poderiam representar quase metade da receita projetada para os 35 anos do contrato.

“Tais montantes praticamente induzem as empresas (mesmo as maiores do mercado) a atuarem de forma consorciada (o que já limitaria bastante a multiplicidade de ofertas) e restringem o acesso a um seleto grupo de alta capacidade financeira”, alertou o órgão de controle, em relatório.

A competitividade do leilão interessa ao TCU porque a parcela de recursos que caberá a União será maior de acordo com as ofertas a serem apresentadas, ou seja, quanto mais competidores participando do certame, maior será a receita para o governo. (Colaborou Rafael Bitencourt)