Valor Econômico, v. 20, n. 4967, 25/03/2020. Brasil, p. A11

Em MP, Bolsonaro restringe atendimento à lei de acesso

Murillo Camarotto


A Controladoria-Geral da República (CGU) suspendeu os prazos definidos para atendimento aos pedidos no âmbito da Lei de Acesso à Informação (LAI). Por conta da pandemia do coronavírus, também foram revogados os prazos para tramitação de processos administrativos disciplinares (PADs), movidos contra pessoas e empresas envolvidas em desvios de recursos públicos.

A suspensão consta na Medida Provisória 928, publicada ontem no “Diário Oficial da União”. De acordo com a CGU, a nova regra valerá durante o período em que vigorar o estado de calamidade pública decretado na semana passada pelo governo.

A MP define que os prazos para as respostas poderão ser descumpridos sempre que os órgãos demandados tiverem estabelecido regime de quarentena, teletrabalho ou equivalentes. “Se for possível produzir a resposta de forma digital, ela será dada normalmente dentro dos prazos”, informou a CGU, em nota. 

Prazo também poderá ser suspenso caso o agente público responsável pela resposta esteja prioritariamente envolvido com as medidas de enfrentamento da situação de emergência. “Vamos dar prioridade às demandas de informação relacionadas ao coronavírus. Hoje não há outro assunto”, disse ao Valor o ministro da CGU, Wagner Rosário.

A repercussão da iniciativa no Congresso foi ruim. Segundo o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), o texto do Executivo deixa dúvidas. “Temos muitas dúvidas e vamos construir um texto que não mude a lei de acesso a informações, ou então estaremos restringindo informação, omitindo informação de qualquer poder que seja”, disse o deputado, em entrevista à “Globonews”.

Espantado com aumentos de até 2.000% nos preços dos insumos médicos em meio à pandemia do coronavírus, Rosário deslocou a maior parte dos servidores do órgão para acompanhar compras que serão feitas pelo governo nas próximas semanas. Sem esses profissionais, feitas pelo governo nas próximas semanas. Sem esses profissionais, segundo ele, o cumprimento dos prazos da LAI ficaria prejudicado.

Além de garantir a agilidade de licitações emergenciais, o objetivo da força-tarefa na CGU é evitar que os gastos de agora se transformem em disputa política no futuro. “É preciso deixar tudo muito bem documentado, pra depois não vir ninguém dizer que o empresário X doou recursos para o candidato Y e depois recebeu o pagamento”, disse.

De acordo com Rosário, as equipes da CGU estão fazendo a análise de risco imediatamente após a conclusão da contratação. Em seguida, a matriz de risco é incluída nas informações do processo e a operação prossegue, de maneira a dar segurança jurídica aos gestores que aprovam as aquisições.

Cresceu muito nos últimos anos, na esteira dos grandes escândalos de corrupção, o receio de servidores federais em colocar o próprio nome em decisões que representem desembolso elevado de recursos públicos, processo que ficou conhecido em Brasília como “apagão de canetas”.

Em meio ao surto do coronavírus e a consequente explosão nos preços dos insumos, é compreensível o crescimento do receio. O próprio ministro confessa o espanto com a alta em alguns itens, com destaque para as máscaras cirúrgicas, cujo preço unitário para licitação, segundo ele, passou de R$ 0,11 para R$ 2.

Rosário também destaca, no entanto, reajustes substanciais nos preços dos testes para confirmação do diagnóstico do coronavírus, bem como material hospitalar e demais EPI, como são chamados os equipamentos de proteção individual. Um canal de denúncias relacionadas, entre outras coisas, a prática de preços abusivos já está funcionando.

O ministro lembra que a ideia é que as compras sejam periodicamente referendadas por um comitê no qual, além da CGU, têm assento o Supremo Tribunal Federal (STF), a Procuradoria-Geral da República (PGR) e o Tribunal de Contas da União (TCU). Na semana passada, o TCU anunciou a criação de uma estrutura própria para acompanhar as despesas que terão que ser realizadas pelo Ministério da Saúde. (Colaborou Cristiane Agostine, de São Paulo)