Título: A ameaça da gripe aviária
Autor: Sergio Abramoff
Fonte: Jornal do Brasil, 29/10/2005, Opiniao, p. A11

Tenho notado uma preocupação crescente em meus pacientes com as notícias repetidas sobre o risco de disseminação global do vírus da gripe aviária. Vejamos os fatos.

Ao longo da vida estamos sujeitos a resfriados (mais brandos), e a gripes mais agressivas, que na língua inglesa são denominadas Influenza. O vírus da Influenza sofre, de um ano para outro, pequenas alterações em sua composição, e não sendo completamente reconhecido por nosso sistema imunológico, é capaz de provocar surtos periódicos de gripes. Durante uma epidemia, entre 5 e 15% da população local é infectada, resultando em, aproximadamente, 250 a 500 mil mortes por ano no mundo ( principalmente entre idosos e portadores de doenças crônicas). Este é o motivo pelo qual devemos imunizar a cada ano toda a população sob risco.

No século XX ocorreram três pandemias (epidemias de disseminação global), todas causadas pelo vírus Influenza. A primeira ocorreu em 1918, pelo subtipo H1N1 (gripe espanhola), que matou cerca de 40 milhões de pessoas. A segunda, em 1957, pelo H2N2 (gripe asiática). A última em 1968, pelo H3N2 (gripe Hong-Kong).

Para a ocorrência de uma pandemia, é necessário o surgimento de um novo subtipo (H), contra o qual nossa imunidade não esteja preparada. Este novo tipo deve ter alta ''virulência'', ser capaz de reproduzir-se em células humanas e possuir uma capacidade de transmissão inter-humana.

A gripe aviária teve início na China, no final de 2003, sendo a mais severa e abrangente até hoje, quando em poucos meses mais de 100 milhões de aves morreram ou foram sacrificadas com o intuito de controlar os surtos da doença. Em junho de 2004 novos casos do vírus H5N1 foram aparecendo em diferentes países da Ásia (Camboja, Tailândia, Vietnã), e mais recentemente na Turquia e Romênia.

Até o momento, há 121 casos descritos em humanos expostos principalmente ao contacto e abate de frangos, e a objetos contaminados por fezes também de várias aves, já havendo relatos da doença em patos, perus, papagaios, cisnes e aves migratórias.

O índice de mortalidade das pessoas sabidamente infectadas é de 50% (62 mortes, por pneumonia viral e falência múltipla de órgãos, a maioria crianças e adultos jovens de áreas rurais). Para que haja a transmissão entre seres humanos o vírus teria que sofrer uma mutação, mas já há 2 casos suspeitos em familiares próximos, o que gerou um alerta máximo nos centros de controle de infecções nos EUA e Europa.

Ao contrário do que tem sido divulgado, a produção de uma vacina eficaz só seria possível vários meses após o início da transmissão inter-humana, e não há comprovação de que os medicamentos antivirais, como o Tamiflu e Relenza, sejam realmente eficazes contra esta cepa mutante.

Estes remédios não possuem qualquer efeito preventivo antes do início da pandemia, não devendo ser tomado por pessoas saudáveis, o que aumentaria as chances de mutação do vírus. Se administrado profilaticamente no início da pandemia, poderia proporcionar um ganho de tempo para o desenvolvimento da vacina.

A preocupação com a ingestão de alimentos, até o momento, é infundada. Foi descrita uma única presença do vírus em produtos congelados de patos, que seriam esterilizados no processo normal de cozimento a uma temperatura de 70ªC. No caso do vírus chegar ao Brasil, deveremos evitar o contacto com aves vivas em fazendas e mercados. O contacto com ovos crus também deverá ser cuidadoso. Patos domésticos são especialmente preocupantes por serem portadores silenciosos da doença.

Em caso de pandemia, os viajantes aéreos são uma preocupação especial, pois portadores ainda pouco sintomáticos podem transmitir a doença, por coriza ou espirro. Mais de 1 bilhão de passageiros fazem viagens aéreas anualmente, sendo alto (de até 72%) o risco em vôos longos, a uma distância de até duas fileiras da pessoa infectada.

Atravessamos o melhor momento para o desenvolvimento de estratégias globais de controle da pandemia, pois caso ela ocorra, uma vez mais veremos cada governo preocupado com sua própria população, e cada um preocupado consigo mesmo. Infelizmente, este tem sido o padrão de comportamento de nossa humanidade.