Título: A briga do roto com o esfarrapado
Autor: Israel Tabak
Fonte: Jornal do Brasil, 30/10/2005, País, p. A3

De olho em 2006, petistas e tucanos declaram guerra mas se assemelham nas práticas políticas condenáveis

Nos últimos dias a briga política entre tucanos e petistas ganhou contornos de vale-tudo. Cada grupo ameaça o adversário com retaliações crescentes e até o rumor do impeachment voltou a circular diante das novas revelações da CPI do Mensalão sobre o uso de caixa 2 no financiamento da campanha presidencial de Lula. A característica principal do tiroteio, no entanto, mostra o lado frágil dos combatentes: em vez de exaltar os méritos próprios, resolveram disputar um campeonato para escancarar quem cometeu maior número de irregularidades e omissões nos respectivos governos. ''O seu caixa dois é pior do que o meu'', seria o resumo da disputa, para expressar o conjunto de mazelas e práticas políticas viciadas que compõe o arsenal de acusações. A luta do roto com o esfarrapado tem como cenário o jogo sucessório, mas no palco ambos não conseguem mascarar a extrema semelhança entre os atores e os papéis que desempenham. Essa atribuição fica para os observadores da cena, que ressaltam os muitos pontos convergentes entre tucanos e petistas no poder: a rigidez da política econômica, as polêmicas alianças políticas, o loteamento fisiológico dos cargos de governo, e os problemas estruturais que deixaram de ser enfrentados em razão da falta de recursos, um dos efeitos mais nefastos do modelo adotado.

Até a resposta aos críticos guarda curiosas coincidências como demonstrou a tese da 'fracassomania', criada por Fernando Henrique e repetida, há dias, quase com as mesmas palavras por Lula.

Em 2001, quando era um dos economistas mais respeitados do PT, o professor da UFRJ Reinaldo Gonçalves deu um conselho aos colegas dirigentes do partido, ao pressentir os rumos do governo Lula, caso ganhasse a eleição.

- Disse que se era para repetir a mesma política de Fernando Henrique, achava melhor deixar os tucanos no poder. Pelo menos evitaríamos o desgaste político dessa opção - relembra.

Hoje desligado do partido - em razão do desencanto com o governo - Gonçalves vê suas previsões confirmadas.

- Para fazer essa política econômica, igual à da administração anterior, inegavelmente a equipe de Fernando Henrique era muito melhor. E mesmo no jogo político eles eram bem mais eficientes para mascarar cooptações políticas suspeitas e outras práticas condenáveis iguais às que o atual governo não conseguiu ocultar - analisa.

Quando avalia o desempenho de tucanos e petistas, o analista econômico Jason Vieira, da Consultoria GRC Visão, é radical:

- Não há nada mais tucano do que o atual governo petista. A política econômica está sendo quase idêntica ou até mais conservadora que a do governo anterior.

Na perspectiva do especialista, a política adotada pelo governo Lula foi mais restritiva que a da administração petista. Como exemplo, cita as altíssimas taxas de juros num momento de ''monstruosa liquidez internacional. É um bom exemplo de conservadorismo''.

- O Brasil perdeu o timing do crescimento mundial. Se o processo de baixa dos juros começasse em maio, poderíamos estar crescendo pelo menos a uma taxa de 5%. Hoje estamos crescendo a uma taxa que representa um pouco mais da metade da média dos países emergentes. Houve um ganho muito grande no combate ao processo inflacionário na era Fernando Henrique. Mas vários pontos que poderiam ter avançado no governo Lula estancaram, como é o caso de reformas mais profundas na área tributária.

No plano político, a necessidade de manter maiorias parlamentares deixou tranqüilas as oligarquias econômicas e sociais tanto no período tucano, como no atual mandato petista. As bancadas que representam lobbies de setores estagnados , obstáculos para o avanço social, não foram incomodadas por tucanos e petistas, na medida em que significam apoios importantes nas votações de interesse do Planalto.

PT e PSDB no governo sofreram reiteradas denúncias de compras de votos para sustentar projetos de seu interesse.

- Assim como ocorreu nos mandatos de Fernando Henrique, Lula também precisa contar com as forças do atraso para governar. E quem adota esse tipo de aliança, passa a também a fazer parte do atraso - comenta Renato Lessa, professor de teoria política do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro).

No jogo eleitoral, seria a ocasião propícia para aparecer um candidato a presidente se apresentando como alternativa para os representantes dessas forças ''aliadas do atraso''. O ex-governador Anthony Garotinho já ensaiou, em alguns pronunciamentos, essa estratégia. Quer emergir como a ''terceira força''.

- Hoje estamos espremidos entre duas torres gêmeas, o PSDB e o PT. Mas sabemos que essas torres podem cair. Há uma tentativa de furar esse esquema. As propostas das candidaturas de Mangabeira Unger e José Alencar, se não têm ainda viabilidade eleitoral, podem configurar uma alternativa, ao pregarem a recomposição dos poderes fundamentais do estado, ênfase no mercado interno, além de criticarem a atual política econômica. Quanto a Garotinho, acho que, no fim das contas, o PMDB vai lhe negar legenda - prevê Lessa.

Se o PSDB e o PT são apontados por ''torres gêmeas'', é bom lembrar que em sua composição social são bem diferentes. Quem faz a advertência é o cientista político Leôncio Martins Rodrigues, ex-professor da USP e da Unicamp, com a autoridade de quem fez um trabalho recente sobre ideologia e composição social dos partidos.

- O PT é formado basicamente por sindicalistas, mais concentrados na baixa classe média: são funcionários públicos, professores, bancários, além de representantes da elite operária dos grandes centros e intelectuais. O PSDB tem empresários, profissionais liberais e setores intelectuais, entre outros.

A convergência nas atitudes políticas do PT e PSDB, na área federal, teria várias explicações, entre elas o sistema político-eleitoral, que leva à formação de coalizões excêntricas e uma tendência generalizada à moderação quando um partido cresce e chega ao poder.

- Hoje o PT imita o PSDB, mas uma aliança de centro-esquerda entre os dois partidos seria mais coerente do que composições com partidos menores e mais à direita, que o PT foi obrigado a fazer. A aliança com o PL, por exemplo, foi esdrúxula, porque os partidos nada tinham em comum.

Essa opção - explica o cientista político - foi a saída que o PT encontrou, já que na última campanha presidencial foi mantida a coligação PSDB-PFL.

- Na campanha não dava para se coligar só com pequenos partidos de esquerda. Por isso os petistas acabaram caindo nos braços do PL, PTB e PT. Dizem que José Dirceu queria uma composição preferencial com o PMDB. Mas nesse ponto surge um outro problema. Quando o partido é maior você tem que repartir mais cargos.

Alguns pontos fracos revelados pelo PT no governo federal, não têm nada a ver com os problemas de composição política, segundo Leôncio Martins Rodrigues: um deles é ''a dificuldade para gastar o dinheiro disponível, em caixa''.

- Nesse ponto, o PSDB era mais eficiente. O PT também falhou ao ser exageradamente tolerante em casos de conduta suspeita no governo. É claro que ninguém financia campanhas ou oferece apoio de graça e os partidos acabam manietados em razão da deficiência do nosso sistema eleitoral. Mas o PT deveria ser mais vigilante nesses casos.