Título: Escala em Brasília para reforçar papel
Autor: Sheila Machado e Rozane Monteiro
Fonte: Jornal do Brasil, 30/10/2005, Internacional, p. A10

Para reforçar a posição do Brasil como nação moderadora dentro da América do Sul, o presidente George Bush vem, pela primeira vez, a Brasília, logo após o fim da Cúpula. O americano chega no dia 5 e a visita se estende até o dia seguinte. Há muito barulho programado. Mas só fora dos gabinetes.

- O clima aqui vai ser mais tranqüilo do que em Mar del Plata, porque as relações bilaterais entre a Casa Branca e o Planalto são mais consolidadas do que os temas em discussão na Argentina. Os EUA vão reiterar a responsabilidade do Brasil. Bush também vai querer detalhes do possível acordo nuclear entre Brasília, Buenos Aires e Caracas. A agenda inclui ainda uma conversa sobre as eleições na Bolívia - afirma Marcelo Coutinho, do OPSA.

Depois das renúncias dos presidentes Gonzalo Sanchéz de Lozada e Carlos Mesa, provocadas por convulsões sociais, Eduardo Rodríguez assumiu interinamente a presidência em La Paz. Convocou eleições presidenciais para o dia 4 de dezembro, mas na sexta-feira, a Corte Eleitoral boliviana adiou o pleito por tempo indeterminado, devido a disputa entre a província de Santa Cruz e à capital, La Paz, por quatro cadeiras no Congresso. O líder das pesquisas de intenção de voto é o cocalero e socialista Evo Morales, do Movimento ao Socialismo (MAS) - que os EUA temem que converta a Bolívia em um narcoestado.

Na agenda de Lula, consta um tema já tradicional, ainda que deslocado no tempo depois do fiasco na proposta de reforma da ONU: a vaga do Brasil no Conselho de Segurança.

De acordo com Jerry Munck, professor de Ciências Políticas da Universidade do Sul da Califórnia, Bush vai reforçar também a posição de Lula como um ''vigia'' de Chávez.

- Não creio que ele vá oferecer nada de concreto em troca agora. Mas é provável que dê a garantia de que, se Lula cumprir este papel, as portas estarão abertas, algo do tipo ''vou estar sempre aqui quando você precisar'' - afirmou.

Ao mesmo tempo, ambos os governos enfrentam crises.

- O escândalo de corrupção no Brasil não vai estar na pauta do encontro bilateral. Muito porque, enquanto os brasileiros vêm o assunto com desapontamento, para nós, que estamos de fora, fica claro que as instituições nacionais estão sabendo lidar com o tumulto político - analisa Scott Desposato, da Universidade da Califórnia.

- Lula está quase saindo do inferno, Bush está entrando (com a renúncia, na sexta, de Lewis Libby, assessor do vice Dick Cheney, indiciado em cinco crimes no caso da revelação da identidade de uma agente secreta da CIA). Mesmo assim, vem ao Brasil para dissolver a impressão de que não dá importância o suficiente para a América Latina. E Lula cala os críticos que vêm muito anti-americanismo na política externa - afirma Coutinho.

Oficialmente, a cúpula de 24 países discutirá o tema proposto pela Argentina, e adotado de forma unânime: trabalho, pobreza e governabilidade democrática.

- Precisamos consolidar a democracia antes dos mercados - defende a presidente do instituto de análise Latinobarómetro, no Chile, Marta Lagos.

De acordo com a autoridade brasileira em Mar del Plata, o Brasil espera que o documento final espelhe a preocupação de criar empregos para ''permitir o crescimento econômico''.

- Abrir postos de trabalho é um assunto chave, que pode deixar para trás a tradição neoliberal da Cúpula das Américas - conclui o analista Juan Tokatlián.