Título: A missão
Autor: Sheila Machado e Rozane Monteiro
Fonte: Jornal do Brasil, 30/10/2005, Internacional, p. A10

Em viagem que inclui a primeira visita ao Brasil, presidente americano chega a Mar del Plata travando batalha diplomática para deter avanço de Hugo Chávez

Por trás da harmonia aparente, da amenidade formal e dos sorrisos artificiais que deverão marcar o encontro de líderes na 4ª Cúpula das Américas, nos dias 4 e 5, em Mar del Plata, Argentina, ainda serão ouvidos os ecos de uma das mais ferrenhas batalhas diplomáticas dos últimos anos. O ponto alto vai ser a tentativa dos Estados Unidos de trazer a Alca (Área de Livre Comércio das Américas) de volta à discussão. Idealizada em 1994 por Washington, o acordo deveria ter entrado em vigor em 1º de janeiro deste ano. Mas enfrentando oposição na América do Sul, principalmente no Mercosul, o projeto foi deixado de lado. Com a provável chegada da Venezuela no bloco do Cone Sul, em dezembro, o assunto volta a ser imperativo na agenda político-econômica do presidente americano, George Bush.

- Tudo o que os EUA não querem é um mercado que literalmente integre o interior da América do Sul, unindo o Caribe à Bacia do Prata. E a cúpula é o espaço onde, por seu peso político, Washington tentará consolidar seus interesses - aposta, ao JB, o argentino Carlos Pereyra Mele, diretor do Centro de Estudos Estratégicos Sul-Americanos.

- A agenda de Bush em Mar del Plata tem como objetivo, a curto prazo, desarticular os planos de integração do Cone Sul com o resto do continente - concorda o especialista em política americana Marco Gandásegui, do Centro de Estudos Latino-Americanos ''Justo Arosemena'', no Panamá.

A principal ferramenta para conquistar parceiros e isolar outros são os acordos bilaterais. O Chile já assinou. Peru, Colômbia e Equador estão em negociação, que devem ser concluídas na cúpula. O Paraguai - que recentemente aprovou a instalação de uma base militar americana em seu território - é o próximo. A América Central também já aceitou o acordo batizado de Cafta, aos moldes do Nafta, que México e Canadá são signatários.

- Agora, o olhar americano está completamente voltado para a América do Sul, uma região que já tem o Mercosul e outro plano autônomo de integração, a Comunidade Sul-Americana de Nações - lembra o pesquisador brasileiro Marcelo Coutinho, do Observatório Político Sul-Americano (OPSA - Iuperj).

No governo brasileiro, o discurso é o de tentar esfriar a fervura. Sobretudo quando se fala em canais comerciais estabelecidos entre parceiros que podem trazer reflexos às estratégias dos outros integrantes.

- Não há vinculação entre estes acordos bilaterais e o encontro em Mar del Plata, as conversas já vinham acontecendo. E cada nação é soberana, faz negócios com quem quiser - desdenha um observador do Itamaraty, presente às reuniões preliminares.

Pode ser. Mas o modelo parece ser o mais eficaz, diante de uma conjuntura na qual Brasília e Buenos Aires estão fortalecidas. A maioria dos analistas acredita que, apesar de recolocar a Alca em pauta, os EUA todavia não terão como pressionar para que a declaração final da Cúpula se comprometa com esse tratado de livre comércio.

- A Alca nem deve ser mencionada. E se for, será questão periférica. As economias sul-americanas estão em expansão. Argentina e Brasil têm crescentes relações comerciais com os EUA e a agenda política está afinada. Como tudo vai bem, a Casa Branca fica sem argumento, e o poder de barganha de ambos os países aumenta. Estão numa posição confortável o suficiente para dizer ''não'' a algumas questões, entre elas a Alca - avalia Coutinho.

Ainda assim, o embaixador americano em Buenos Aires, Lino Gutiérrez, defende que o tema é uma prioridade:

- Não vamos nos deter. Esperamos um avanço da Alca nos próximos meses.