Título: Os parlamentares e o Banco Mundial
Autor: Eduardo Suplicy
Fonte: Jornal do Brasil, 30/10/2005, Opiniao, p. A17

Fui convidado para fazer uma palestra sobre a evolução do Programa Bolsa Família à Renda Básica de Cidadania, na Conferência Anual da Rede Parlamentar do Banco Mundial, em Helsinki, capital da Finlândia. Havia cerca de 180 parlamentares de 86 países. Dialogamos com Paul Wolfowitz e Pascal Lamy, presidentes do Banco Mundial e da Organização Mundial do Comércio, respectivamente. Dois dias antes, no Seminário promovido pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, no Itamarati, em Brasília, Paul Wolfowitz havia transmitido, em teleconferência para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e demais presentes, uma avaliação positiva do Programa Bolsa Família. Em função de seus efeitos para a erradicação da pobreza, oportunidades de educação e atenção à saúde, o programa poderia servir de exemplo e ser seguido por outros países. Economistas brasileiros como Marcelo Neri e Ricardo Paes de Barros, destacaram os aspectos positivos do Bolsa Família, inclusive seu caráter focalizador, isto é, o fato de atingir as famílias com renda até certo patamar, no caso, R$ 100 per capita por mês. Coube à socióloga Amélia Cohn questionar esse enfoque, e defender o caráter universalista a ser seguido gradualmente.

O ministro Patrus Ananias ressaltou a expansão vigorosa do programa que atinge 8 milhões de famílias, devendo chegar a 11,2 milhões em meados de 2006. Estima o governo que até lá atenderá a todas as famílias com renda de até R$ 100 mensais per capita. É o principal instrumento, ao lado de diversos outros, pelo qual o governo pretende atingir a meta de garantir que todas as pessoas no Brasil tenham pelo menos três refeições ao dia. É possível que haja a necessidade de se aumentar um pouco mais o benefício mensal que hoje é de R$ 50 - mais R$ 15, R$ 30 ou R$ 45, dependendo do número de crianças - no caso de a renda mensal familiar ser de até R$ 50 per capita - ou de receber apenas a parte das crianças quando a renda familiar per capita estiver entre R$ 50 e R$ 100.

O presidente Lula observou que o Bolsa Família beneficia a todos, na medida em que as famílias mais pobres garantam a freqüência de suas crianças à escola, tornando-as mais distantes da eventual iniciação ao crime.

Mas será que a universalização do direito à renda básica é um propósito saudável para que toda a sociedade de fato se beneficie? É justamente a Finlândia, um dos países em que o princípio da universalização dos direitos - no caso o da educação - que nos dá demonstração inequívoca de como ela pode ser bem-sucedida.

Conforme nos relatou em Helsinki o diretor do Instituto de Pesquisa da Economia finlandesa, Pekka Ylä-Antilla, a Finlândia se transformou num período relativamente curto. De uma economia baseada em recursos naturais passou para a economia baseada em conhecimento. A transformação aconteceu em meio a crises macroeconômicas profundas, ocorridas no começo dos anos 90, que exigiram uma transformação estrutural.

Depois do período pós-guerra até os anos 60, em que a Finlândia procurou recuperar seu atraso importando tecnologias e explorando suas reservas florestais, o país investiu bastante em equipamentos. Nas últimas décadas passou a investir fortemente em conhecimento, com uma das maiores taxas de gastos em pesquisa e desenvolvimento do mundo, cerca de 3,5% do seu Produto Interno Bruto. Nos anos 90 investiu sobretudo em tecnologia de informação e comunicação, o que transforma a Finlândia na mais especializada economia nesta área do mundo.

Para isso, foi fundamental colocar em prática o princípio de igual oportunidade para todos. Todas as pessoas na Finlândia recebem a mesma educação básica, de responsabilidade do poder público, de excelente qualidade, gratuita até o nível universitário.

Na volta de Helsinki, encontrei dois brasileiros de Bragança Paulista, que haviam recebido o troféu de melhores jogadores de futebol do país. Estavam voltando após os seis meses de tempo quente quando é possível jogar lá. Queriam reencontrar o calor humano dos brasileiros. Mas estavam impressionados com a alta qualidade de todas as escolas finlandesas.

A Finlândia hoje tem um dos melhores Índices de Desenvolvimento Humano do mundo (IDH). Passou de 0,841 em 1975, para 0,941 em 2003. No mesmo período, o IDH do Brasil evoluiu de 0,645 para 0,792. A expectativa de vida ao nascer dos finlandeses é de 78,5 anos. A dos brasileiros, 70,5. O índice de educação da Finlândia é de 0,99, o do Brasil é de 0,89. O coeficiente Gini de desigualdade da Finlândia é dos mais baixos do mundo, 0,25 (2000), enquanto do Brasil continua dos mais altos, O,55 (2003).

Os efeitos da educação de alto nível garantida a toda a população da Finlândia constituem exemplo para que no Brasil possamos em breve prover tanto a educação quanto a renda básica como um direito à cidadania para todos.