Título: Comunicação do Banco Central e política monetária
Autor: Ben Bernanke
Fonte: Jornal do Brasil, 30/10/2005, Economia & Negócios, p. A22
Nomeado para dirigir o Federal Reserve, Ben Bernanke expôs suas idéias sobre juros e inflação em palestra na Casa das Garças
Poucos dias antes da última reunião do Comitê Federal de Mercado Aberto (Fomc, na sigla em inglês), li na internet uma reportagem sobre o encontro que se seguiria com o seguinte título: ''Não é o que fazem, é o que dizem''. O texto fazia alusão ao fato de que, como os 25 pontos-base de elevação na taxa de juros que remunera os títulos federais já haviam sido largamente antecipados, os agentes do mercado passaram a ater sua atenção à declaração que acompanharia o anúncio da decisão. Assim, esperavam captar informações sobre as previsões do Fomc e intenções que poderiam ser úteis na precificação de investimentos em renda fixa e outros ativos. Assim, não se tornou incomum nos últimos anos os mercados financeiros reagirem mais fortemente às palavras do Comitê do que à própria decisão sobre as taxas dos fundos federais.
A elevada proeminência que ganhou a ata da reunião do Fomc é melhor entendida como o mais recente passo rumo a uma maior transparência e abertura por parte do Comitê. Esse aumento de transparência é bem-vindo por muitas razões. Talvez a mais importante delas seja o fato de que, como servidores públicos, as decisões dos integrantes do banco central afetam a vida de todos os cidadãos, daí a responsabilidade de prover ao público o maior número possível de explicações sobre suas escolhas, porém sem comprometer o processo decisório. Uma política mais aberta também levará a melhores decisões, pois a relação com um público informado fornecerá ao BC um retorno sobre as observações e análises externas. Além das razões democráticas de explicação e relação com o público, uma clara e aberta comunicação pelo comitê - incluindo declarações e audiências no Congresso - faz a política monetária ser mais efetiva em pelo menos três diferentes aspectos.
Primeiro, no curto prazo, uma clara comunicação ajuda a aumentar a previsibilidade das decisões do Fomc, o que reduz o risco e a volatilidade nos mercados financeiros e permite um ajuste mais suave da economia a mudanças nas taxas de juros. Inclusive, as três mais recentes elevações da taxa pelo Comitê já eram tão esperadas que os mercados raramente reagiram às ações anunciadas.
Em segundo lugar, no longo prazo, informar os objetivos do BC e as estratégias da política a ser adotada podem ajudar a ancorar a expectativa de longo prazo - no caso mais importante, as expectativas de inflação. A crença de que a inflação se manterá baixa no longo prazo tem inúmeros benefícios. Notadamente, se as pessoas têm certeza de que será mantida sob controle, serão mais comedidas nas negociações salariais e na fixação dos preços, o que (como em um círculo virtuoso) facilitará o trabalho do Federal Reserve em confirmar suas expectativas em manter a inflação baixa. Ao mesmo tempo, reduzindo o risco de que a inflação traga perdas o BC terá mais flexibilidade no curto prazo para responder a distúrbios na economia e aos seus efeitos na produção e no emprego.
O terceiro aspecto em que uma clara e aberta comunicação aumenta a eficácia da política monetária - e que será o foco dos meus comentários - é a ajuda no alinhamento das expectativas dos participantes do mercado financeiro ao que planeja e projeta o comitê. Como discutiremos a seguir, à medida que a fala do BC prevê uma orientação útil aos mercados sobre o provável rumo das taxas no curto prazo, os fazedores de política monetária exercerão grande influência sobre as taxas de longo prazo, que são as que mais interessam às decisões de gastos. Ao mesmo tempo, o aumento da disponibilidade de informação aos participantes do mercado financeiro eleva a eficiência e acuidade na precificação dos ativos. Ambos os fatores aumentam a eficácia e precisão da política monetária.
No restante da minha apresentação, vou elaborar sobre como é útil a comunicação do BC nas expectativas sobre a política adotada pelos agentes do mercado financeiro e do público em geral. Fazendo isso, vou discutir algumas evidências empíricas dos efeitos dessa política nos EUA e no Japão, a partir de um paper recente que preparei com dois colegas do Federal Reserve. Antes, no entanto, devo dizer que os pontos de vista que expresso não são necessariamente os dos meus colegas no Fomc ou, mais genericamente, no Federal Reserve System.
Embora muitas pessoas digam que o Fed controla os juros, na verdade, ele afeta somente uma taxa relativamente pouco importante e de muito curto prazo, dos federal funds. Como vocês devem saber, as taxas dos federal funds são as cobradas pelos bancos em empréstimos curtos, normalmente o overnight. Fora os gestores de reservas bancárias e de fundos de curto prazo, poucas pessoas no setor privado têm muito interesse nesta taxa per se. Em particular, a maioria das decisões de endividamento e investimento não depende dela, mas da curva de juros de longo prazo, como as taxas de hipoteca e bônus privados, além de preços de ativos imobiliários e ações. Além disso, a causalidade entre a curva de juros de longo prazo, o preço dos ativos e o ajuste na taxa dos federal funds, às vezes, pode se perder. Por exemplo, apesar do aumento da taxa em 75 pontos-base em três reuniões seguidas do Fomc (em 2004), o retorno dos bônus do Tesouro de 10 anos caiu quase na mesma proporção. Esse movimento incomum nas curvas de longo prazo contrasta com a maioria dos ciclos anteriores de aperto monetário do Fed, nos quais as taxas de longo prazo tipicamente sobem, muitas vezes dramaticamente.
Embora a relação entre a decisão do Fed e as curvas de longo prazo - que têm maior relevância na economia - dificilmente seja direta ou mecânica, existe, sim, uma conexão crítica. A relação se dá menos pelo valor presente dos federal funds do que pelos movimentos futuros que são esperados do Fomc no futuro. Teóricos e analistas do mercado concordam que, com risco e prêmios constantes, as curvas de longo prazo se movem próximo das expectativas dos agentes sobre a evolução da taxa dos federal funds e outras relacionadas de curto prazo. Por exemplo, tudo mais permanecendo constante, se as taxas de curto prazo ficam em média mais altas, as curvas de longo prazo tenderão a ser igualmente elevadas. Não fosse esse o caso, investidores lucrariam mantendo um leque de ativos de curto prazo e abrindo mão de ativos de longo prazo, um resultado inconsistente com uma carteira equilibrada. Da mesma forma, se se espera que as taxas futuras de curto prazo fiquem baixas na média, então o retorno nos títulos de longo prazo tenderá a ser igualmente baixo.
O fato de os retornos de longo prazo dependerem tanto da expectativa sobre os valores futuros projetados da taxa dos federal funds quanto do seu ajuste corrente ajuda a explicar o comportamento do retorno dos títulos de longo prazo que citei há pouco. Em junho (de 2004), preocupações com a inflação, aliadas a uma crença geral de que o crescimento econômico seguiria forte, fizeram com que os operadores de títulos antecipassem a decisão do Fed de apertar a política monetária relativamente rápido. Porque se esperava que a taxa de juros iria subir em um ritmo acelerado, os retornos de longo prazo também ficaram acima dos de curto prazo. Em outras palavras, a estrutura a termo da taxa de juros transbordou no passo à frente.
Desde junho, no entanto, o temor de inflação enfraqueceu, e alguns analistas de mercado se tornaram menos otimistas sobre as perspectivas de crescimento no futuro próximo. Devido às mudanças em suas previsões, os agentes do mercado esperam agora que o Fomc aja mais lentamente no aperto. Além disso, com a inflação permanecendo baixa, os analistas podem antecipar uma menor taxa no curto prazo para ganhar no longo prazo.
Espero que essa breve discussão seja suficiente para convencer vocês de que o ajuste na taxa dos federal funds provê, na melhor das hipóteses, apenas uma informação parcial sobre o aperto ou o afrouxamento monetário. Para acessar como a política monetária está criando um estímulo em rede ou restringindo os gastos e a economia, é necessário saber não apenas o valor corrente da taxa de juros, mas também as expectativas sobre o comportamento futuro da taxa, assim como está sendo precificada nos mercados.
Mas como são formadas as expectativas do setor privado em relação às ações futuras do Fomc? Chegamos agora ao ponto que explica por que a comunicação do BC é tão importante. Sem uma indicação, os agentes do mercado financeiro podem não fazer mais do que basear suas expectativas na média do comportamento passado dos fazedores de política monetária, estratégia que pode ser adequada na maioria das circunstâncias, mas seriamente enganosa em outras. Em contraste, quando o comitê de política monetária regularmente provê informações sobre seus objetivos, previsões econômicas e planos, há dois benefícios. Primeiro porque, com mais informação, os mercados vão precificar os ativos mais eficientemente. Segundo porque os fazedores de política vão mais comumente verificar um alinhamento entre as expectativas dos analistas de mercado sobre o futuro da taxa de juros de curto prazo e as suas. Guiando as expectativas do mercado, a atuação do comitê deve aumentar sua influência sobre as curvas de longo prazo e reduzir a incerteza econômica, obtendo melhor resultado econômico.
Os potenciais benefícios não foram perdidos pelos fazedores de política no Federal Reserve. Certamente, o desenvolvimento da ata do Fomc na última década sugere um crescimento da consciência das vantagens do aumento da transparência e comunicação. Difícil supor hoje, com a proeminência conquistada pelas declarações do Fomc, que antes de 1994 não havia ata das reuniões, nem mesmo o anúncio das decisões sobre a taxa de juros. Na maioria das vezes, o comitê mostrava suas decisões aos agentes do mercado financeiro apenas indiretamente nas operações de mercado aberto usadas para afetar a taxa. Em fevereiro de 1994, o Fomc começou a soltar notas sobre as mudanças nas taxas dos federal funds, mas continuava a manter silêncio após as reuniões em que não havia alterações. Notas começaram a ser divulgadas após cada reunião só em maio de 99.
As declarações do Fomc evoluíram consideravelmente. Na sua forma corrente, elas provêm um pequeno balanço sobre os riscos no que diz respeito ao crescimento da produção e da inflação. A parte do balanço de riscos nas notas foi reformulada recentemente, conhecida como inclinação política, caracterizada como a direção futura da taxa de juros dos federal funds. A porção de balanço de riscos da nota também provê informações sobre o curso da política monetária, mas o faz mais indiretamente, descrevendo potenciais riscos em seus dois objetivos: nível sustentável de emprego e estabilidade de preços, mais do que propriamente um comentário sobre a política de juros.
Mais recentemente, o comitê introduziu comentários adicionais de previsão nas suas notas. Por exemplo, a da reunião de agosto de 2003 indicou que a ''acomodação pode ser mantida por um período considerável'', expressão que foi substituída algumas reuniões depois pelo comentário de que poderia ser ''paciente'' na remoção da acomodação. Essas notas levaram informações ao mercado sobre a previsão do comitê, assim como a política que adotaria. No meu ponto de vista, essa linguagem serviu a um importante propósito, ilustrando o valor do processo de comunicação do BC. Quando ''considerável período'' foi introduzido, o mercado foi precificando gradativamente a restrição monetária, presumindo que um repique no crescimento no terceiro trimestre de 2003 iria induzir o Fomc a elevar as taxas. No entanto, a reação do mercado teve peso insuficiente, acredito, devido ao fato de a expansão de 2003 ter sido caracterizada por excepcionais ganhos de produtividade no trabalho, o que fez com que o rápido crescimento da produção não se materializasse em fonte de pressão. Com inflação baixa e continuidade do afrouxamento monetário, o rápido aperto projetado pelos mercados não pareceu justificável. A linguagem da nota de agosto de 2003 e das reuniões subseqüentes convenceu o mercado de que o aperto não estava previsto, e as expectativas se ajustaram. Crucialmente, a mudança resultou em menores taxas de juros em todos os prazos, o que permitiu suportar o crescimento no fim do ano.
Quando o ciclo de aperto monetário finalmente se aproximou, neste ano, o Fomc indicou que, com inflação relativamente baixa, ele iria responder na mesma proporção. Como já argumentei em discurso em maio, o gradualismo mostrado na nota é apropriado durante períodos de incerteza econômica. Ao mesmo tempo, provê informações sobre a perspectiva e a ação esperada. No entanto, o comitê insistiu que as políticas deveriam se condicionar à evolução dos indicadores. Em particular, o comitê ressaltou que iria responder da maneira necessária para manter a estabilidade de preços.
Não estou afirmando que a comunicação do BC representa um instrumento independente de política monetária. De fato, se as notas do BC não são informativas sobre o comportamento futuro da taxa de juros de curto prazo, elas vão logo perder a habilidade de influenciar as expectativas do mercado. Ao contrário, o valor da comunicação mais aberta clareia o ponto de vista do BC e suas intenções, elevando a probabilidade de que as expectativas dos agentes do mercado financeiro sejam similares às dos fazedores de política monetária - ou, se as visões divergirem, pelo menos assegura que a diferença não possa ser atribuída a uma falha dos fazedores de política em comunicar suas perspectivas, seus objetivos e suas estratégias para o público e os mercados.
Observações confirmam que os agentes de mercado prestam atenção especial às notas do Fomc. Mas as notas têm tido o efeito desejado? Em que medida esses aspectos representam o impacto da decisão em relação à taxa? Com dois colegas no Federal Reserve, Vincent Reinhart e Brian Sack, recentemente desenvolvi novas evidências sobre essas questões, que vou comentar brevemente.
Os efeitos das ações do Fomc e suas notas têm reflexo claro e direto nos mercados. Então, tentamos medir seus efeitos em juros-chave e nos preços de ativos relacionados. Mais especificamente, observamos o comportamento do mercado financeiro nos 15 minutos imediatamente antes e os 45 minutos após a divulgação de cada decisão. A vantagem da restrição na análise em um pequeno período é que as mudanças nos retornos e nos preços dos ativos ocorreram em uma janela pequena, o que evidencia o reflexo da decisão. Acrescentamos nos nossos dados todas as decisões desde julho de 1991 - tanto as adotadas em reuniões periódicas quanto em seus intervalos, somando 116 eventos. Dessas 116 decisões, 56 foram acompanhadas de uma nota oficial e 60 não tiveram o documento.
Nosso maior interesse era determinar como as ações do Fomc e suas notas afetaram as expectativas dos agentes de mercado sobre o futuro dos juros. A variação dos instrumentos traz informação sobre essas expectativas. No nosso trabalho, focamos particularmente os contratos futuros (de câmbio), que provêem uma boa medida sobre o que o mercado espera das taxas dos federal funds no horizonte de um ano. Além disso, o fato de nosso estudo incluir decisões acompanhadas de notas e outras sem nota serve para separar os efeitos das taxas e das notas nas expectativas e, conseqüentemente, nos retornos de longo prazo.
Nossas descobertas ajudam a atestar que as notas do Fomc intensificaram o poder do instrumento afetando as expectativas do mercado sobre o futuro das taxas. No entanto, se a maioria das mudanças é antecipada pelos mercados, alterações por si sós contam como uma pequena parcela nas mudanças das expectativas. Além do curto período em torno da decisão, as notas do Fomc, não o ajuste da taxa em si, têm grande influência sobre as taxas com vencimento em um ano, particularmente quando o conteúdo da nota não é totalmente antecipado pelos agentes de mercado. Por exemplo, de acordo com nossas estimativas, uma nota que surpreende leva os agentes a revisar suas estimativas para a taxa de juros com vencimento em um ano cerca de 14 pontos-base mais do que teriam sem uma indicação como essa.
Nós também confirmamos que as notas do Fomc tendem a mexer com as crenças em relação à direção esperada para os juros. Em particular, notas que assumem tom inesperado - ou seja, que parecem indicar que as ações futuras podem envolver taxas maiores do que o anteriormente previsto - resultam em elevações nas expectativas em relação a um ano entre 12 e 16 pontos-base na média. Os maiores efeitos nas expectativas e nos retornos foram observados após as notas do Fomc tratarem diretamente da evolução das ações, como ocorreu em agosto de 2003, quando a nota evocou o ''período considerável'', e em janeiro de 2004, quando a nota introduziu o termo ''pode ser paciente'' ao comitê.
Ao que parece, uma pequena dúvida em relação às declarações do Fomc pode ter influência substancial nas expectativas para um ano à frente. Descobrimos que se pode influenciar também expectativas e taxas além do horizonte de um ano. Por exemplo, calculamos que o conteúdo da nota do Fomc influenciou cerca de 68% das variações nos retornos dos tresuries de cinco anos no horário por volta da decisão. Mas a decisão sobre a taxa dos federal funds explica apenas 12% deste movimento nos títulos de 15 anos, com outros 20% de variação refletindo outras influências.
Investigamos outras dimensões das notas do Fomc e seus aspectos. Por exemplo, alguns observadores questionaram que, focando a atenção em certas variáveis macroeconômicas como possíveis gatilhos da ação da política monetária, notas recentes elevaram a sensibilidade dos retornos e dos preços dos ativos ao noticiário sobre estas variáveis em particular. Um possível caso é a folha de pagamento, cuja importância os analistas têm aumentado devido a referências ao nível de emprego e à utilização de capacidade instalada nas recentes atas do Fomc.
Se a comunicação do Fomc serviu para dar evidência aos salários e sua possível ligação com a política monetária, os mercados tornaram-se mais sensíveis a inesperadas movimentações. Para checar essa hipótese, estudamos o comportamento dos retornos dos treasuries de 10 anos em uma janela de cerca de 30 minutos por mês durante a divulgação dos resultados relativos aos pagamentos de salários. Quebramos a análise em períodos antes e depois da introdução do termo ''período considerável''. Descobrimos que, no período mais recente, o anúncio de que foram criados mais 100 mil empregos do que o esperado moveu para cima a taxa dos títulos de 10 anos em 4 pontos-base durante a janela de 30 minutos perto da divulgação. Em contraste, desde agosto de 2003, a surpresa positiva de criação de 100 mil empregos elevou o retorno dos treasuries em 11 pontos-base. Essa diferença econômica e estatística é consistente com a percepção de que as atas do Fomc elevaram a sensibilidade do mercado às notícias de salários. É interessante que, apesar de a declaração do BC ter elevado a sensibilidade a certas divulgações de dados, no todo, a volatilidade nos mercados caiu recentemente. A política de comunicação do Federal Reserve também contribuiu para derrubar a volatilidade por meio da redução da incerteza em relação ao futuro.
Como ressaltei anteriormente, boa parte do poder da política monetária não reside na habilidade do Fomc de afetar as taxas correntes dos federal funds, mas na habilidade do Fomc de influenciar as expectativas do mercado e, conseqüentemente, as taxas de longo prazo mais relevantes economicamente. Nessa métrica importante, o posicionamento do comitê se tornou uma ferramenta de suma importância da política monetária. É claro que, como eu já enfatizei, a comunicação não tem valor algum se os participantes do mercado não acreditarem que o Fomc pretende seguir seus planos - ajustando quando necessário, óbvio, à evolução da economia. No longo prazo, discurso e atitude devem se complementar e reforçar se for para a política ser efetiva.
A pesquisa que descrevi foi na verdade parte de um grande projeto no qual eu e meus co-autores investigamos políticas monetárias alternativas, que podem ser usadas quando as taxas de juro de curto prazo estão perto de zero. Como a usada pelo Japão, quando o país passou por uma situação difícil por mais de seis anos. Apesar de uma comunicação efetiva do BC ser sempre importante, torna-se especialmente importante quando as taxas estão perto de zero. De fato, quando a proximidade desta marca impede cortes de juros para estimular a economia, falar sobre ações futuras de política monetária pode ser uma das poucas ferramentas à disposição do BC para influenciar as condições do mercado financeiro.
As recentes políticas do Banco do Japão (BOJ) ilustram a centralidade das políticas de comunicação. Em abril de 1999, o BOJ não apenas reduziu sua taxa de resgate para colocar a taxa a poucos pontos percentuais acima de zero, como anunciou sua atenção no sentido de manter a taxa de remuneração perto de zero ''até que as preocupações deflacionárias se dissipem''. Essa política, conhecida como política de taxa-de-juros-zero (Zirp, na sigla em inglês), foi interrompida por uma alta de 25 pontos base na taxa de remuneração em agosto de 2000, mas então eficazmente se reintrodiziu em março de 2001 juntamente com a nova política do BOJ de afrouxamento quantitativo. O objetivo do BOJ em se comprometer com a Zirp foi persuadir participantes no mercado de títulos japonês de que taxas de curto prazo permaneceriam baixas por mais tempo do que eles pensavam - um compromisso que, se verdadeiro, resultaria em taxas de longo prazo mais baixas.
A Zirp influenciou as taxas de longo prazo como o pretendido? Eu vou poupá-los dos detalhes mas informo que nossa resposta provisória é sim. Nossa evidência mais útil envolvia uma comparação da atual estrutura japonesa a termo da taxa de juros com estimativas da estrutura derivada de um modelo econométrico, um que ligue taxa de juros a condições macroeconômicas. Nós descobrimos que, relativo às previsões do nosso modelo, as taxas de juros japonesas caíram significativamente após a a introdução da Zirp em abril de 1999, subindo depois que a política foi interrompida em agosto de 2000, e então retrocedendo novamente quando a Zirp foi reintroduzida (junto com a nova política de afrouxamento quantitativo) em março de 2001. Os efeitos da Zirp parecem particularmente grandes para as taxas de juros em ativos com vencimento entre dois a cinco anos, um resultado consistente com outra pesquisa nesse episódio (por exemplo, ver Fujiki e Shiratsuka, 2002). Aparentemente, então, o discurso do BC teve benefícios no Japão, assim como nos Estados Unidos.
A prática da política monetária mudou significativamente ao longo dos últimos 15 anos, tanto nos Estados Unidos quanto em outros países. Nós vemos hoje uma tendência de rede mundial para maior clareza, transparência, e especificidade na comunicação do BC com o público. Essas mudanças são importantes por razões de governança e responsabilidade democrática, bem como para promover o intercâmbio de idéias entre as pessoas de dentro e as de fora dos bancos centrais. Como enfatizei, a política monetária é mais eficiente, hoje, quando o comitê fornece ao público orientação sobre sua visão, objetivos e planos.
Muitos divergem em como as indicações do Fomc deveriam evoluir da sua forma presente. Minha visão é a de que nós estamos nos aproximando do limites da comunicação puramente qualitativa e deveríamos ponderar a inclusão da informação quantitativa, apresentada em uma estrutura claramente especificada (Bernanke, 2003). Por exemplo, a exemplo dos fazedores de política em muitos outros bancos centrais, o Fomc poderia especificar o alvo de sua inflação de longo prazo e incluir previsões econômicas explícitas, condicionadas em suposições alternativas, em suas reuniões ou em relatórios regulares. Dito isto, deve-se reconhecer que o Fomc não é um ''ator unitário'', como os cientistas políticos o taxam, e sim um comitê de 19 pessoas altamente independentes. Com a maior boa vontade do mundo, atingindo um consenso em uma previsão detalhada (por exemplo) será sempre difícil no curto tempo disponível. Algumas ambigüidades nas comunicações do Fomc talvez sejam, então, inevitáveis.
Dito isto, o aumento de transparência do Fomc e do Federal Reserve ao longo da década passada foi realmente impressionante, para o crédito daqueles que serviram a instituição no período. A experiência mostrou que essa melhor transparência teve muitos benefícios palpáveis, incluindo políticas monetárias mais efetivas e melhores resultados macroeconômicos.
Palestra do ex-chefe do Conselho de Consultores Econômicos da Casa Branca e então diretor do Fed, proferida no dia 15 de novembro de 2004, no Instituto de Estudos de Política Econômica (Casa das Garças), no Rio de Janeiro