Título: ''Lula está se divertindo no poder''
Autor: Daniel Pereira e Sérgio Prado
Fonte: Jornal do Brasil, 31/10/2005, País, p. A3

Trinta segundos em silêncio. Foi assim que o senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA) tentou encontrar e citar pontos positivos na gestão de Luiz Inácio Lula da Silva. Diante do fracasso na empreitada, o parlamentar ¿ que apoiou o governo no início, mas hoje é ferrenho opositor ¿ partiu para o ataque. ¿ O que ele acha positivo é o Aerolula para passear com a família e visitar os pontos mais agradáveis de Roma e São Petesburgo. O Lula está se divertindo no poder ¿ ataca ACM em entrevista ao JB, concedida em seu gabinete no Senado, que tem vista privilegiada para o Palácio do Planalto.

O discurso é ainda mais duro quando o senador analisa a crise política. Para ACM, o governo Lula, do ponto de vista moral, é uma calamidade. Mais: o chefe do Executivo cometeu crime de responsabilidade. O pedido de abertura de processo de impeachment não é realizado apenas porque o presidente conta com respaldo popular. O tom é mais ameno em relação aos deputados processados. ACM afirma que não tem condições de julgar aqueles que usaram recursos de caixa dois. E declara que nem sempre quem renuncia, como ele fez no caso da violação do painel do Senado, merece perder os direitos políticos. Seria necessária a comprovação de corrupção. A Câmara, por sinal, merece atenção especial devido à atuação do deputado Antonio Carlos Magalhães Neto.

¿ Está se saindo maravilhosamente bem.

O senhor passou do apoio à oposição ao governo. Onde o presidente Lula errou? ¿ O presidente Lula teve uma grande votação. Recebeu o meu voto no segundo turno. Contou com toda boa vontade do meu partido no primeiro ano de gestão, inclusive para votar a reforma da previdência. O problema é que demos todo crédito de confiança ao presidente Lula e ele jogou tudo fora, principalmente do ponto de vista moral. Do ponto de vista moral, o governo Lula é uma calamidade.

O presidente do PFL, senador Jorge Bornhausen (SC), disse em entrevista ao JB que o presidente Lula é um candidato morto em 2006. O senhor concorda? ¿ Não concordo que seja um candidato morto. Mas ele ainda pode, evidentemente, sofrer novos ataques que o impeçam de ser candidato. Se funcionarem como devem, as CPIs pegarão coisas incríveis em relação ao seu governo e ao próprio Palácio do Planalto.

Por exemplo? ¿ Você tem o Delúbio (Soares, ex-tesoureiro do PT), que era um homem do presidente Lula. Tem o Silvinho (Pereira, ex-secretário-geral do PT). São essas pessoas que faziam o governo. O Paulo Okamotto (presidente do Sebrae), que é até um bom japonês, que paga os empréstimos conhecidos tomados pelo presidente Lula. Dos desconhecidos, não sabemos. De maneira que é um governo que perdeu a credibilidade. E a credibilidade ele não readquire. Agora, existem as classes C, D e E, que não tomam conhecimento disso, apesar de a mídia estar atuando corretamente.

O presidente Lula cometeu crime de responsabilidade? ¿ Não tenho a menor dúvida disso. Se você me perguntar por que politicamente não se fez o impeachment, evidentemente não há margem para um confronto. Primeiro, porque ele tem uma parte da CUT. Segundo, há uma parte univesitária e estudantil que ficará contra todas as posições que adotarmos contra o governo. Tudo isso somado com o MST e com a força popular que o presidente ainda tem torna evidente que não haveria um processo de impeachment sem luta.

O que o presidente Lula tem de positivo para apresentar? ¿ (Longo silêncio) Nada. O que ele acha positivo é o Aerolula para passear com a família e visitar os pontos mais agradáveis de Roma e São Petesburgo. O Lula está se divertindo no poder. Aquele homem que era de uma classe pobre, um torneiro mecânico, lutou como grande sindicalista. Esse grande sindicalista chegou à Presidência da República e pensou que a nação é um sindicato. Mas a nação é uma coisa muito maior do que um sindicato.

A alegação do Itamaraty é de que as viagens do presidente servem para, por exemplo, estimular a participação do Brasil no comércio internacional. ¿ Não concordo. Todos os países emergentes estão crescendo mais do que o Brasil. O Brasil se aproveita da fase internacional, que é excelente, e está melhorando alguns dos seus números. Agora, essa melhoria dos números não dá ao presidente o crédito necessário para dizer que está com uma política internacional boa. O presidente Lula é um despreparado, e o Itamaraty não está dando a ele a devida assistência.

Nem a política econômica merece elogios? ¿ A política econômica tem um lado positivo e um negativo. O lado negativo ficou bem provado agora no caso da febre aftosa. Você não pode fazer uma política restritiva só pensando em superávit primário. Quando o governo não libera recursos para o combate à febre aftosa, dá um prejuízo enorme à nação e perde a credibilidade. Não se pode ser tão radical quanto o ministro Antonio Palocci é em algumas coisas. É verdade que, se ele não fosse radical, a política não teria o êxito que tem. Mas você tem de temperar. Se você não tempera, terá prejuízos maiores em alguns setores. As Forças Armadas não funcionam porque sequer têm alimento para dar aos soldados. Os soldados saem às 11h30 da manhã de sexta e voltam na segunda às 14h30, para que a refeição seja feita em casa e não no quartel. A Aeronáutica não tem combustível para os aviões.

O PFL apoiará o PSDB já no primeiro turno em 2006? ¿ Na medida em que o Cesar Maia (prefeito do Rio de Janeiro) não suba, a tendência fica sendo mais essa de compor com o PSDB. Mas quem sabe se amanhã não aparece um candidato do PMDB que possa ser aceito pelo PFL com mais facilidade.

Existe hoje algum nome do PMDB que tenha esse potencial de facilitar uma aliança com o PFL? ¿ Não, por ser o PMDB uma federação. Tem muitos grupos. Hoje, o grupo mais forte é o do Anthony Garotinho, que é o menos peemedebista de todos. De modo que isso fica meio improvável. De qualquer maneira, tudo se resolverá em maio do ano que vem.

Para o PFL não seria mais interessante apoiar o governador Geraldo Alckmin do que o prefeito José Serra? O partido assumiria um governo com dinheiro para investir, em vez de uma prefeitura endividada. Isso entra no cálculo político? ¿ Acho que tudo entrará no cálculo político. Para mim, a definição, agora, seria um erro político. E como não quero errar politicamente...

Na fase final do governo Collor, o senhor cogitou disputar a Presidência da República. O senhor acha que o seu tempo para concorrer ao Palácio do Planalto já passou? ¿ Já passou. Evidentemente existem outros nomes muito mais viáveis, e o partido há de procurar os nomes mais fáceis para apoiar.

O deputado Antonio Carlos Magalhães Neto, seu sucessor político, está se saindo bem? ¿ Está se saindo maravilhosamente bem, porque é estudioso, preparado e, sobretudo, inteligente. Chegando ao Congresso, surpreendeu. Ele deixou de ser o neto do ACM para, talvez, o ACM ser o avô dele.

E o trabalho dele na CPI? ¿ Excelente.

E a CPI como um todo? ¿ A CPI chegará ao seu destino, pegará coisas, principalmente a dos Correios. A CPI do Mensalão é mais complicada, mas a dos Correios chegará ao fim e não haverá pizza.

Qual será o resultado concreto das CPIs? ¿ As CPIs já estão com elementos para pegar alguns por crime de responsabilidade. Entretanto, é preciso fazer isso com todo cuidado com auditores competentes cruzando os dados. Temos dificuldades para contratar auditores mais conhecidos. Mas vamos contratar de qualquer maneira e eles trabalharão e chegarão a resultados extremamente positivos para o país.

A CPI identificará os financiadores dos esquemas sob investigação? ¿ Teremos que identificar. Se não, não se cumpriu a meta, até porque, tenho certeza, há financiamento público, além de financiamento privado, no caso do mensalão.

Os parlamentares que receberam recursos de caixa dois têm de ser cassados? ¿ Não posso fazer esse juízo sem ter estudado os casos. Mas um cara como esse Delúbio já podia ser indiciado. O Valério também.

Cinco deputados já renunciaram para fugir de processos de cassação. A renúncia não deveria implicar perda dos direitos políticos? ¿ Quando há corrupção, acho que é correto perder os direitos políticos. Mas, se não há corrupção, mas apenas faltas e o parlamentar regularizar a situação, acho que ele não deve perder os direitos políticos.

Para o senhor, então, as hipóteses de inelegibilidade devem ser alteradas? ¿ Acho que deve mudar, caracterizando o que é corrupção e o que não é corrupção.

Há chance de as reformas política e eleitoral serem votadas? ¿ Acho extremamente difícil, embora sejam úteis, porque diminuiriam os gastos de campanha para evitar, justamente, caixa dois.

Então, teremos em 2006 campanhas nos mesmos moldes das anteriores? ¿ Se o Tribunal Superior Eleitoral quiser e fizer uma fiscalização efetiva, se tiver força pra isso, acho que não. Acho até que algumas resoluções do tribunal podem interpretar a lei de modo diferente.

Por que a reforma política não andou em 10 anos? ¿ O erro é querer fazer a reforma política para o imediato. Quem se elege de uma forma quer sempre manter essa forma. Então, se você fizer para 2010, você encontra eco. Mas, se quiser fazer para 2006, não encontra.

Por que o senhor é contra a transposição do Rio São Francisco? ¿ Acabo de receber um documento mostrando coisas inacreditáveis contra a transposição, do engenheiro Roberto Leite, da Companhia de Saneamento de Sergipe. O Bird já disse que jamais financiaria um projeto com as condições da transposição do São Francisco. O (ex) senador Waldeck Ornéllas (PFL-BA), que é um expert no assunto, demonstrou claramente que isso não é possível. O governador Paulo Souto (PFL-BA) tem tratado do assunto com muita veemência, mostrando os pontos contra a transposição. Enquanto isso, não sai um centavo para os projetos de irrigação, que podem enriquecer as comunidades ribeirinhas, e para a revitalização do São Francisco. Mas, o doutor Ciro Gomes se julga o rei do Nordeste, coisa que, aliás, não conseguiu nas votações, embora com meu apoio. E agora quer forçar o presidente da República, que não conhece nada do projeto, a fazer uma obra faraônica para deixar marcada a presença dele como nordestino. O problema é que a transposição do São Francisco é uma obra para os empreiteiros.