Título: Receitas contra a corrupção incluem revogação de mandato
Autor: Paula Barcellos
Fonte: Jornal do Brasil, 31/10/2005, País, p. A4

Não fossem os cabelos grisalhos, o respeito quase fiel à ''questão de ordem'' e ao luxo do local do encontro, a segunda edição do DNA Brasil, que terminou sábado à noite, poderia ser facilmente confundida com uma reunião da União Nacional dos Estudantes (UNE). O vigor da juventude e a vontade de mudança de um país sem corrupção - mote principal do congresso - estiveram presentes no discurso dos 49 participantes, todos formadores de opinião ou representantes de renome na intelectualidade brasileira. Mas a dificuldade de se chegar ao consenso ou de apresentar objetivos claros - características típicas dos jovens - também pautou o encontro.

Reunidos por três dias no Grande Hotel de Campos do Jordão, acadêmicos, médicos, religiosos e representantes populares (a minoria deles, menos de dez) tiveram como desafio encontrar meios para combater a corrupção. Mais especificamente, responder a seguinte questão: ''Somos ou estamos corruptos?'' e apontar quais são as expectativas para daqui a 20 anos. Após quatro plenárias e dez salas de debate sobre educação, exclusão social, preservação ambiental e práticas políticas, os conselheiros - como são chamados os participantes - listaram 19 pontos que seriam imprescindíveis para reverter o quadro da corrupção no Brasil.

Um dos mais curiosos foi a ''criação de mecanismos de revogação de mandato na metade do mandato de cada eleito''. Apesar de não saberem ao certo quais seriam os meios para executar tal medida, influentes pensadores como o filósofo José Arthur Giannotti, o psicanalista Contardo Calligaris, a Monja Coen e o padre Júlio Lancellotti, entre outros, viram com simpatia a sugestão, nascida em debate mediado pelo jornalista Paulo Henrique Amorim. Um dos mecanismos, segundo conversas paralelas na plenária, seria o uso do plebiscito popular.

Outro ponto, por sinal, visto como meio de reduzir a corrupção. O médico Alexandre Kalache, no entanto, mostrou certa preocupação. Para ele, o uso habitual de plebiscitos ou referendos pode acabar banalizando o poder de tais ''armas civis''.

A instituição do financiamento público de campanhas políticas também entrou na lista. O senador Eduardo Suplicy (PT-SP), que participou do último dia de debates, ao lado do deputado Eduardo Paes (PSDB-RJ), concorda com o ponto:

- Aumentar o financiamento público e limitar a contribuição das empresas privadas é um passo positivo para se combater a corrupção - defendeu Suplicy.

O deputado, no entanto, acredita que o financiamento público não impediria a atuação dos agentes econômicos:

- Não acho que resolveria a corrupção. Apenas ajudaria aos que têm menos verba a fazerem campanhas melhores. Mas a interferência dos agentes vai permanecer.

Questionado pelo médico Victor Nussenzweig sobre quem seriam esses agentes econômicos e o que eles exigiriam em troca da ajuda financeira, Paes saiu pela tangente e acabou não respondendo.

Insatisfeito com o rumo da prosa, Paulo Saldiva, um dos diretores do Hospital Central, em São Paulo, não hesitou em criticar:

- Assisti a muita CPI na televisão e não quero assistir a outra aqui. Queria que discutíssemos os grandes problemas sociais de fato - enfatizou, provocando risos e aplausos no plenário.

Foco voltado para a sociedade civil, num dos encontros mais descontraídos e, ao mesmo tempo, mais calorosos no debate de idéias, no bar do Hotel, os conselheiros discutiram a relação entre felicidade e corrupção. A pergunta lançada pelo mediador Paulo Henrique Amorim gerou polêmica: ''O que o brasileiro perderia se acabasse a corrupção?''

De início, o professor Moyses Nussenzveig rebateu, defendo que não existe correlação entre felicidade e corrupção. E, para aqueles que apontaram o jeitinho brasileiro como forma de corrupção, o físico respondeu:

- O jeitinho é um meio de suprir deficiências dos poderes públicos.

Giannotti, citando a filosofia de Hegel de que felicidade é uma desculpa para quem não consegue produzir, provocou um verdadeiro alvoroço. E atiçou, em especial, os nervos da cantora Laura Finocchiaro. O mediador tentou amenizar a situação, mas foi interrompido pelo líder do MST, João Pedro Stédile:

- Esse grupo é plural. Não devemos buscar o consenso. Amorim, apenas nos ouça.