Título: Bush, persona non grata
Autor: Joseph Contreras
Fonte: Jornal do Brasil, 31/10/2005, Internacional, p. A8

O presidente dos Estados Unidos, George Bush, não será recebido de braços abertos pelo povo da Argentina, onde esta semana acontece a IV Cúpula das Américas. No encontro de líderes de Estado do continente, os americanos pretendem colocar o Acordo de Livre Comércio das Américas (Alca) de volta ao debate, conforme antecipou ontem o JB. O tema é controverso e será veementemente repudiado na Cúpula dos Povos, um encontro de dezenas de organizações sociais, sindicatos e intelectuais, que começa amanhã e se prolonga até o fim da Cúpula de Mar del Plata.

A convocatória foi feita em agosto, pelo ativista de Direitos Humanos e Nobel da Paz, o argentino Adolfo Pérez Esquivel, que queria uma cúpula que destacasse a voz dos povos das Américas, a independência de qualquer governo e que a comunidade civil propusesse sua própria agenda de discussão.

- Nosso objetivo é aprofundar o debate a cerca da construção de alternativas e o fortalecimento das resistências frente à Alca e dos demais tratados de livre comércio. Também vamos discutir o pagamento da dívida externa de US$ 792 bilhões com os países do Norte, a militarização e a pobreza em todo o continente - afirmou Esquivel. - Somos contra a presença de Bush na Argentina e suas políticas de nível global.

O formato da Cúpula dos Povos é o mesmo do Fórum Social Mundial, com atividades centrais organizadas pela Aliança Social Continental - uma coalizão de organizações sindicais, religiosas, camponesas, de direitos humanos e direitos das mulheres - e pela ONG Autoconvocatório Argentina Não à Alca. Mais de 500 movimentos nacionais e internacionais se inscreveram para o encontro no Estádio Mundialista de Mar del Plata, com capacidade para 40 mil pessoas. Serão cerca de 150 atividades culturais, oficinas e palestras.

Esquivel confirmou as presenças do ex-astro de futebol argentino Diego Maradona - amigo do presidente cubano, Fidel Castro - e da americana Cindy Sheehan, mãe de um soldado morto no Iraque e hoje ativista pela retirada das tropas. Mas o ponto alto promete ser a participação do presidente da Venezuela, o único estadista presente na Cúpula dos Povos.

- Hugo Chávez não só vai discursar, como é um dos principais líderes do encontro paralelo, que este ano será tão antiamericano quanto anti-Alca - afirmou ao JB o cientista político Marcelo Coutinho, coordenador do Observatório Político Sul-Americano (OPSA - Iuperj).

O maior exemplo é que a Cúpula dos Povos será aberta por uma marcha contra a presença de Bush, liderada pelo Nobel da Paz, com todos os movimentos sociais contrários à política externa americana. Mas além deste, estão programados mil atos de protesto em toda a Argentina. Para o dia 4, quando começa a Cúpula das Américas, a Central de Trabalhadores Argentinos convocou uma greve geral e mais marchas.

- Chamamos às pessoas que coloquem bandeiras da nação em suas casas, escritórios, praças e outros lugares públicos, em repúdio à presença de Bush - pediu Víctor De Gennaro, diretor do sindicato.

Todos os atores sociais prometem que as manifestações serão pacíficas, mas diante da mobilização popular, o esquema de segurança no balneário de Mar del Plata e Buenos Aires foi fortemente reforçado. Os EUA inclusive enviaram barcos, armas e aviões, e impuseram restrição de circulação de pessoas em certas áreas da sede do encontro.

- Este é mais um exemplo da violação da autodeterminação dos povos - criticou o Nobel da Paz.